Invocations e o design das Masterpieces
Análise do novo frame.
Por
03/04/2017 14:00 - 2.837 visualizações - 19 comentários

 

As Invocations de Amonkhet chegaram e estão gerando reações fortes na comunidade de jogadores. Vemos muitas pessoas em todos os lugares desaprovando seu design, somando os mais variados motivos. Tomando o risco de ser radical, a proposta deste texto é comentar este polêmico design enquanto tenta convencer os leitores de que as Invocations (e as Masterpieces, no geral) são ótimas.
 

Para começar, a série Masterpieces em sua essência é um prato cheio pra quem aprecia o design. Em média, as críticas dos jogadores partem da hipótese de que o design, de certa forma, tem a função de afirmar expectativas, de ser fiel ao que já é aprovado. Uma espécie de guardião da estética regente, em que se produz o novo em concordância com o que já existe e com nossa noção de conforto. Portanto, uma conclusão muito comum é rejeitar um produto por ele não atender a este critério. Muitas vezes é interessante que o designer preste atenção a esta questão, sim, mas ela foge totalmente do cerne do design. O principal objetivo do design é provocar uma sensação, e a primeira questão do designer é: qual a sensação que este produto precisa gerar? E essa é a especialidade da série Masterpieces, desde o design de seu conceito, que é provocar uma grande euforia na abertura de boosters, com a expectativa da chegada de um tesouro raro.

 


Vejamos o conceito das Masterpieces passadas. As Expeditions de Zendikar queriam que nos sentíssemos como exploradores em um mundo de lugares poderosos, cheios de mágica e encantadores. O foco e o poder de Zendikar estavam em seus panoramas, sua terra. Fazia sentido que a arte fosse estendida, aberta, dando mais a sensação de uma expedição a ambientes amplos. Em Kaladesh, os jogadores são inventores, e suas Inventions representam as preciosidades do plano. Elas foram desenhadas com o objetivo de transmitir essa sensação de criação de artefatos, de tecnologia e criatividade. O aspecto metálico e trabalhado das cartas ajudava a criar a sensação desse tipo de tesouro.


E as Invocations? Vamos separar em tópicos e discutir cada aspecto: 
 

1)  Proposta: Qual a sensação que as Invocations querem transmitir? Em um plano que dá vida à cultura egípcia, pensamos em seus tesouros como segredos escondidos em tumbas; informações proibidas que são reveladas a aventureiros que desbravam pirâmides e câmaras antigas. E, se em Amonkhet os deuses são reais, esses segredos são deles. Então, as Invocations querem revelar aos jogadores os segredos dos deuses, fazendo-nos sentir como aventureiros diante de um mistério milenar, guardado por trás de armadilhas e enigmas.
 

2) Tema: As Masterpieces antigas possuem um tema bem estabelecido para as cartas, primeiro só terrenos, depois só artefatos. Agora essas Invocations parecem ser só um monte de carta boa, uma rebarba de Modern Masters, certo? Então, uma das propostas funcionais das Masterpieces é a impressão de cartas boas, cartas muito jogadas e cartas de difícil acesso, e isso acontece desde o começo. A única diferença com as Invocations é essa aparente desconstrução de uma temática para elas. Mas não poderíamos pensar que seria sempre assim, com uma temática óbvia do tipo “todas as cartas são isso que está escrito aqui”. A temática pode, e eventualmente seria, algo mais abstrato e de certa forma subjetivo. O que pedimos no design é que a temática “soe” bem, pois o que importa é a sensação. Invocations são “entidades mágicas” diretamente relacionadas aos deuses, são os segredos, poderes, comandos, a ritualística, os “familiares”, as armadilhas que compõem a ação divina dessa mitologia. Na maioria das cartas, os deuses de Amonkhet são representados agindo, inclusive. E temos o ciclo de comandos representando cada deus e já dando um spoiler das cores (ou cores principais) dos deuses azul e branco. 

 


 

3) Fontes: A  maior reclamação de todas é a que diz respeito à fonte do nome e do tipo das Invocations, por eles serem praticamente ilegíveis em um primeiro momento. Essa é uma crítica baseada na premissa de design pelo conforto, diz que é ruim porque causa desconforto. Mas essa ideia está completamente dentro da sensação de enigma e mistério, as Invocations não foram mesmo feitas para serem facilmente lidas. Eu acho tão fascinante quando o design de um objeto estático consegue provocar uma experiência temporal, em que você vai descobrindo novas informações e sentindo novas sensações à medida em que se relaciona com o objeto. Olhando para as Invocations, eu consigo me sentir diante de um tesouro milenar enigmático, e eu não queria que fosse diferente, eu queria esse desconforto de ter dificuldade para ler a carta, ter que decifrar hieróglifos para entender a mensagem. Magic não é só jogo e funcionalidade, e dizer que é ruim porque vai atrapalhar o passo do jogo é assumir que a diversão e o maravilhamento do jogo se restringem ao que acontece no campo de batalha e ao resultado dos torneios; nós vamos nos acostumar com as Invocations e vai ficar tudo bem, e o ponto é que, mesmo o processo de nos acostumar será parte de seu objetivo também. 
 

4) Frame: Acho que todo mundo concorda que o frame é fiel à temática egípcia. Muitas críticas dizem respeito ao tamanho da imagem; eu penso que a imagem menor em um frame de várias camadas de profundidade como esse transmite uma sutil sensação de claustrofobia, em oposição à sensação de exploração de grandes espaços das Expeditions de Zendikar, que possuem imagens expandidas. Essa sensação é positiva, pois ajuda a construir o clima de se decifrar uma tumba. Mas o principal é que não acho que faz sentido o conceito de ARTE reduzida quando se tratam das Masterpieces, a arte sempre será a carta toda. Os frames são muito autênticos e muito detalhados, as cartas são sempre foils e ninguém vai ter um bolo de Masterpieces pra ficar reparando que elas soam mais iguais pela imagem ser reduzida (pelo menos quaaase ninguém). Um aspecto a se destacar a respeito do frame é o quão imponente ele se apresenta no foil, com os adornos de ouro destacados e a sensação de profundidade ainda mais sólida. 

 

 

A caixa de texto em caps lock também é um ponto positivo na construção da imponência da mágica, fazendo o texto soar mais como um mandamento (imagina se tivessem feito o texto em hieróglifo, como o nome, levando a gente ao ponto de sentir dor de cabeça tentando ver o que a carta faz, isso sim seria errar a mão no design). As cores são algo meio novo nas Masterpieces, pois até agora tivemos só artefatos e terrenos. Devemos pensar que tudo no frame é reformulado, e a presença de cores seria algo novo nas Invocations. A presença de cores é algo novo, sim, apesar das cores serem algo meio novo; os mecanotitãs foram as primeiras Masterpieces com cor, mas vejam, a cor deles era apenas uma linha fina contornando as caixas da carta, e ninguém reclamou disso. Acho que no geral nos sentimos simplesmente ultrajados com a existência de uma representação radicalmente diferente, nos apoiando no pressuposto de que um bom design deveria trazer confirmação. Mas na verdade as cores das Invocations são bem visíveis e harmônicas com o frame, nós só estamos acostumados a olhar para outros detalhes em busca da cor. E aqui entra uma questão importante, para muitas pessoas eu acredito que os mecanotitãs tenham a cor mais visível que as Invocations, e por quê? São os símbolos de mana. Eu sinceramente me senti um pouco incomodado (somente) com esse aspecto, a princípio; não sei dizer se elas ficaram melhores mesmo, com os símbolos de mana sem cor. Isso definitivamente contribui para o enigma, seria mais fácil decifrar as cartas se fossem coloridos, e talvez acharam que poderia quebrar mais do que queriam a sensação de enigma. De qualquer forma, acho que essa é de longe a parte mais ousada do design, porque os símbolos de mana possuem uma identidade que se compõe com as cores (mas, com certeza, muito menos ousado do que quebrar a parte de trás das cartas, né?). Por fim, temos a caixa de poder e resistência das criaturas; gostei que ela foi levada para dentro da caixa de texto, pra não atrapalhar a execução da simetria no frame, e também do toque de ter sido disposta na vertical. É legal pensar que até os pequenos detalhes se somam na construção da sensação e devem ser explorados.
 

5) Artes: Uma crítica que eu vi sendo feita às imagens é que elas são muito parecidas, mas essa é uma crítica “caronista”, que o pessoal considera pra enriquecer a tese de que elas são ruins, pois todas as Masterpieces até agora estão sujeitas a ela. Pensem de novo nas Expeditions, ou em várias das Inventions que se confundem. Acho que nós somos apresentados a elas pela primeira vez de uma forma ruim, todas lado a lado no spoiler. Eu acho que não deveria existir spoiler de Masterpieces e que isso acontece por questões de marketing. E as imagens, olhando de longe, devem ajudar a compor a temática, que une todas elas. Portanto o poder das imagens das Masterpieces está em seu aspecto individual e em seus detalhes. Em particular as Invocations, é lindo como cada imagem tem sucesso em reinterpretar o sentido da carta e inserir esse sentido na temática.
 

As pessoas podem dizer que, se o objetivo do design é compor uma sensação a ser transmitida com o produto, então um design pode ser ruim porque “ele me deu uma sensação de que o produto é feio”. Mas, na realidade, a experiência proposta por um design é uma via de dois sentidos. Nós temos que nos permitir sentir a proposta do design e embarcar naquilo que ele nos oferece (algo análogo à hipnose, por exemplo). O valor do design é medido por aquilo que ele é capaz de transmitir e como cada parte da composição por algum motivo intencional ajuda a construir o que ele quer transmitir. Nesse sentido, eu concluo: o design das Invocations é ótimo. Espero ter conseguido acalmar um pouco os ânimos e ter dado alguns motivos a mais para que as Invocations (e as Masterpieces no geral) sejam melhor apreciadas por vocês. Até a próxima!

 

Comentários
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- 05/04/2017 17:34:46

EXATO!

(Quote)
- 05/04/2017 15:34:55
Encomendando o artigo:

"Cara dá um jeito de falar bem das masterpieces dessa edição"
"o loko, mais ta foda"
"ah, dá um jeito aí, poe umas palavras complicadas e fala q como eles q manjam de design isso tá certo e vc tem que gostar"

Sou colecionador de Magic há muitos anos, tenhos várias das cartas "diferentes" que a Wizards fez. Mas nessas cagaram no pau, não tem como defender, estão medonhas!
(Quote)
- 05/04/2017 10:24:37
Primeiro, parabéns pelo artigo, um análise bem detalhado sobre as Masterpieces do AKH.

Coleciono e aprecio bastante, todas as Masterpieces que foram lançadas até hoje, todos eles tem algum defeito, pois nem sempre vão agradar todos, por exemplo, nas imagens da internet, as Expeditions são lindas, lindas mesmo, mas a carta real de papel, não sei se é culpa do processo de foil, as cartas todas aparentam muito escuras, um fetch uw, chega a não parecer uw... As Inventions, para mim foram bem perfeitas, tanto as imagens como a carta real.

Quando começou o spoiler dos Invocations, a parte mais estranha do layout para mim são os pilares que estão nas bordas, um detalhe que parece ser feito na regua, acaba com a impressão de que é temática de civilização antiga... porém o Gif que mandaram da carta real, achei fantástico, muito melhor que essas imagens
(Quote)
- 05/04/2017 01:54:10

kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk wtf

concordo tá parecendo yu gi oh hahaha' vou por o exodia no meu deck e falar que é master piece, vai que cola auehueahe




(Quote)
- 04/04/2017 14:38:01
Muito bom artigo!!! Destacou vários pontos que passam despercebidos a primeira vista. Além daquela velha máxima que 'mudanças drásticas' de leiaute sempre geram desconforto/reprovação no início. Me lembro de um hype parecido quando houve a mudança de leiaute na 8ª Edição.

De qualquer forma, parabéns pelo artigo!!!
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