Design de Revolta do Éter
Mecânicas e escolhas da edição.
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23/01/2017 14:00 - 3.900 visualizações - 6 comentários

 

Olá, pessoal! Estou aqui para contar um pouco a respeito dos elementos de design por trás da edição de Revolta do Éter, a história da criação de suas mecânicas e transmitir um pouco da minha empolgação com mais uma ótima coleção.

 

Núcleo de design

 

O bloco de Kaladesh tem como tema a inventividade, o design de suas coleções é primariamente voltado a, através de suas cartas e mecânicas, produzir nos jogadores a sensação de serem inventores e especialistas em um mundo que transborda tecnologia e grandes experiências criativas através de sua mágica. Desde seus ousados pilotos até os mais diversos tipos de artesãos e construtores, inclusive artesãos da natureza (os vivideiros).

 

 

O tema específico da edição de Kaladesh concentrou-se em uma atmosfera de maravilhamento e otimismo, em que a inventividade projetava-se no desejo de se superar, de produzir algo novo, algo incrível, produzir uma arte, de participar de competições e exibições. O ponto alto de Kaladesh é a feira dos inventores; tudo isso foi construído desde o trailer da edição e o “alto-astral” de Saheeli Rai como imagem de divulgação. E toda essa situação só pode ser atingida em uma ambientação harmônica e pacífica.


 

A Revolta do Éter contrasta com essa atmosfera com sua temática de conflito e revolução. A edição começa mostrando que aquela sensação de segurança era falsa e que um grande conflito se formava por trás da aparente harmonia. O clima pacífico e inventivo é desmistificado em uma cena emblemática, o consulado censurando toda a inventividade na própria feira dos inventores, o mesmo momento em que os renegados iniciam a revolução, sob o comando de Chandra Nalaar (essa cena é representada no trailer da edição, que é muito empolgante).

 

 

Mas o núcleo de design do bloco é a inventividade, e a nova coleção não quebra essa atmosfera, só a leva para outro campo, para a guerra. Os inventores em Revolta do Éter dedicam-se à funcionalidade bélica de suas criações. Com isso, o design de suas cartas, mecânicas e flavor texts transmite a sensação de uma corrida armamentista inspirada pela revolta e pelo conflito, com as energias voltadas à produção de armas e à destruição.

 


 

Mecânicas

 

Kaladesh apresentou três mecânicas novas: Energias, Tripular, e Fabricar. Desde o início, a equipe de design decidiu que as energias e os veículos seriam definitivamente mantidos em Revolta do Éter. A mecânica de energia é tão desapegada das estruturas do jogo que ainda havia muito espaço de design a ser explorado, além de ter sido muito bem recebida pelos jogadores e fazer parte do núcleo do flavor do bloco. Podemos ver por diversas cartas na edição como as energias podem ganhar novas dimensões e também dar suporte para as outras temáticas presentes, eis alguns exemplos interessantes:


 

As duas primeiras cartas mostram como as energias puderam ser usadas como facilitadores de Revolta, fazendo permanentes saírem do campo de batalha sem sobrecarregar as manas para se conjurar as mágicas com Revolta. A última representa um ciclo de cartas que usam energia para fazer o papel de Fabricar (que não está presente), criando fichas de artefato e ajudando a manter a temática focada em artefatos.

 

Os veículos são bem mais restritos em espaço de design, por serem mais ligados a situações específicas de combate e relacionamento com criaturas, mas também foram bem recebidos pelos jogadores (e esperados! Chuto que mecânicas como esta vão agora começar a aparecer mais) e são parte da essência de Kaladesh. Agora, os corredores e seus veículos se juntaram à revolta e os veículos mais ligados à guerra foram guardados para a nova edição. Vemos que outros aspectos da mecânica foram explorados, seguindo a mudança no flavor; as cartas de modificações retratam bem essa transição para a guerra e representam uma nova forma de ativar os veículos, assim como o Coracao de Kiran:

 

 

A mecânica de fabricar era a única que poderia ser deixada de lado, mas a princípio decidiram mantê-la. Seu flavor de se utilizar as invenções como agentes (servos) ou aperfeiçoamentos (marcadores) poderia muito bem ser adaptada para essa nova atmosfera. Com isso, a equipe de design começou a trabalhar em apenas uma mecânica nova, para representar a luta dos renegados, a própria revolta. A princípio, pensaram em artefatos que causam dano ao sair do campo de batalha (afirmando o tema de inventar para destruir, em contraste com o anterior de inventar para criar) e evoluíram a ideia para uma mecânica de marcadores voláteis.

 

Os marcadores voláteis seriam colocados em artefatos, marcando-os para causarem dano ao saírem do campo, mas com o dano sendo causado pelos marcadores! Em termos da parte teórica do design, esta mecânica renderia muita interação legal; eles poderiam ser usados estrategicamente nos seus artefatos ou nos do oponente, por exemplo.  Mas em termos práticos, a mecânica é uma bagunça. Pense na interação com outros marcadores, como os +1/+1 que também são subtema da coleção. Além disso, existe uma política no design que restringe o uso de marcadores dizendo que não é bom espalhá-los sobre as permanentes. Isso fere a imersão no jogo, trazendo a complexidade a um nível de organização física, distanciando do objetivo, que é a complexidade dos aspectos internos do jogo (esse motivo também foi um dos que em Kaladesh levaram à ideia de que as energias iriam pertencer aos jogadores, e não às permanentes). Os marcadores voláteis foram então abandonados.

 

Antes de continuar, vou ressaltar um aspecto importante para o desenvolvimento da criatividade: o passado! A maior parte de se criar algo vem da tentativa de se combinar, aprimorar e reaproveitar elementos que já conhecemos, implementando-os na nova estrutura. Veremos como as duas novas mecânicas estão enraizadas em ideias do passado. Mantendo o foco na destruição e na revolta e olhando para o passado, a mecânica Mórbido foi lembrada. Mas ao invés de disparar quando criaturas morrem, a nova mecânica poderia disparar com artefatos. Entendendo que a mecânica seria muito restrita, expandiram para qualquer permanente. Daí, querendo dar um tom diferente do próprio Mórbido, representar melhor o clima de revolta e ressonar melhor com as várias cartas do bloco que saem de jogo sem ser para o cemitério, colocaram que o disparo seria somente por suas próprias permanentes e não restrito ao cemitério. A ideia de revolta vem da retribuição pela permanente “perdida”. Ao se estudar design, é muito bom acompanhar a evolução das ideias, para desmistificarmos a noção de que a criação está vinculada a uma epifania.

 

 

Vemos também que a mecânica de Revolta é restrita às cores branco, verde e preto (esta em menor quantidade). Vemos todas as cores representadas nos dois lados da batalha, com o vermelho tendo destaque para o lado dos renegados, com toda a narrativa da Chandra e sua família. Achei interessante reforçarem o clima de revolta para as outras cores com a habilidade (e entendo que a principal cor do consulado é o azul). Improvisar é restrita às cores azul, vermelho e preto, balanceando um pouco a distribuição das habilidades (algo que não precisa ser exato).

 

Com energia, os veículos, Fabricar e a nova Revolta, sentiram que a edição estava perdendo a conexão com a temática dos artefatos. Apesar dos veículos serem artefatos e Fabricar poder criá-los, isso não configura a temática de artifact matters, pois não lidam com o controle de artefatos no campo. Juntando as complicações a nível de desenvolvimento em Fabricar (a mecânica mais sensível em termos de espaço de design, sendo fixada à escolha entre criaturas e poder/resistência), decidiram substituí-la por uma mecânica que se importa com a existência dos artefatos. Novamente, a inspiração veio da experiência anterior em termos de artifact matters, as edições envolvendo o plano de Mirrodin. A princípio, um reprint foi considerado e a habilidade de Proliferar recebeu alguns testes:
 

 

Mas eles continuaram insatisfeitos, pois acharam que o mais interessante seria a mecânica dar a sensação de que o jogador poderia ter mais poder quanto mais invenções possuísse; de alguma forma seria bom que os artefatos se juntassem para te dar vantagens. Eles se lembraram que já havia uma mecânica que fazia isso, então, apesar de Improvisar ser o equivalente de Convocar para artefatos, a mecânica partiu de Afinidade por Artefatos, a ideia original de artefatos ajudando no custo de suas mágicas. Considerando que a afinidade é uma habilidade quebrada e perigosa, sua restrição naturalmente levou à forma de Convocar para artefatos; assim, a cascata de artefatos sendo despejados da mão seria prevenida.

 

Por último, chamo a atenção para o quanto é interessante tirarmos um tempo para observar todas as cartas da coleção e apreciar os detalhes que se harmonizam para criar um ambiente de jogo que flui suavemente, produzindo com sucesso as sensações propostas ao mesmo tempo que permitem que as mecânicas se encaixem. Desde a existência de diversos artefatos de custo baixo, que podem ser sacrificados, até vários bons reprints remodelados para o clima novo.

 

Meus comentários sobre algumas cartas, sendo que vou destacar algumas outras cartas que me empolgaram bastante em relação ao design:

 

 

 

Achei o máximo que em um ambiente onde existem carros haja uma carta que retrate um atropelamento. A imagem, o nome (original: Caught in the Brights) e as habilidades da carta são tão encaixados que você tem a sensação de ver a cena acontecendo. O conjunto expressa até o congelamento do gremlin, tomado pelo medo ao se perceber na linha dos faróis. Uma questão engraçada é a tradução para o português, que traduziu como “holofotes”, eu me pergunto se eles não sacaram que a carta está representando um atropelamento; é uma pena.

 

 

Não estou por dentro dos detalhes a respeito da história, mas achei essa carta muito elegante. Eu acredito que seja um artefato pequeno, delicado, sobre o qual foi depositada toda a esperança dos renegados em uma missão arriscada. É um toque muito legal o fato de ele ser lendário, ele não soa lendário (inclusive pelo seu nome, o que é um adicional muito positivo), mas faz todo o sentido. E, também, é uma carta muito boa e que captura exatamente o flavor do seu papel na história (é relevante ela ser boa, geralmente cartas que encaixam tão bem o flavor não são tão boas).

 

 

Primeiro, o Vampiro Falcao-da-Noite, é uma carta muito apreciada pelos jogadores, já vi várias vezes pessoas empolgadas jogando com ele. Eu mesmo gosto muito dele e sempre gosto de fazer brincadeiras combinando habilidades assim quando estou criando cartas. A edição de Kaladesh fez uma referência ao vampiro com a carta Socorrista Aereo, e agora em Revolta do Éter temos esta carta, que além de trazer a referência e a satisfação no jogo, tem um flavor perfeito para os Etergênitos Vampiros.

 

 

É um artefato com efeito muito relevante que pode contribuir desde o começo do jogo com improvisar (e cartas específicas que dependem de artefatos dando bobeira no campo), e tem todo esse papel combinado com um flavor inteligente. Podemos imaginar que o solvente é uma coisa até boba, barata e corriqueira, mas que fazer estrago com ele exige uma grande perícia. E a carta é simples, é comum.

 

Também aponto as cartas Guarnicao Movel e Torreao do Consulado  por como seu flavor foi incorporado em sua mecânica, achei divertido.

 

No fim menciono o ciclo de lendas e as Especialidades. Essa foi uma ótima e empolgante ideia, o efeito das especialidades é muito forte e bom de explorar e todas as cinco lendas conseguiram ser únicas e boas, relevantes (gosto de enfatizar a dificuldade desse balanço de se fazer cartas únicas ou cheias de flavor que sejam boas e relevantes dentro do jogo). Em especial, cito o Yahenni por capturar tão bem quem ele é na história e a Kari Zev por essa ideia do macaquinho, que é genial!

 

E isso é tudo. Quem se interessa em ficar por dentro de mais detalhes de design (e quem quiser saber de onde vêm as informações internas sobre o que eles fazem) pode acompanhar as colunas do Mark Rosewater na Wizards, lá ele também sempre solta os comentários dele a respeito de algumas cartas da edição e a história de sua criação. Até a próxima!

 

Comentários
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- 24/01/2017 11:36:04
Mas o que mais me chama a atenção na coleção é que os ilustradores assistiram muito, "John Carter entre dois mundos." ou Vieram de "Asgard"
(Quote)
- 24/01/2017 01:30:52

Essa idéia de deuses com devoção a cores é interessante e combina um pouco com a mitologia egípcia que tem vários deuses. Mas será que combina com as tribos de Tarkir, que são inspiradas nas tribos otomanas, siberianas etc?

(Quote)
- 23/01/2017 19:12:31
Eu ainda acho que revolt combinaria muito mais com vermelho.. é estranho demais ver a cor da raiva, fúria, inconsequência.. não estar ligada com revolta..

Esse bloco, como um todo, realmente me animou mais do que a volta a zendikar e a innistrad, não pela tema, mas pelo o que o próprio artigo apresenta, as mecânicas e habilidades (tirando essa questão da revolta e um ou outro card) estão bem melhor boladas.

Em innistrad não é dificil encontrar cards com erros bobos de design, e zendikar é de chorar..

Ansioso para ver o que o "egito" nos trará =]
Quem sabe Deuses com devoção a três cores.. seria lindo!
(Quote)
- 23/01/2017 18:30:42
Massa!
(Quote)
- 23/01/2017 17:28:53
Muito interessante essa abordagem sobre o Magic, que o "valor" das cartas não é só representado pelo power level no jogo, mas sim tudo que encontramos na carta e a idéia que ela apresenta são de extrema importância!
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