Olá, pessoal da Ligamagic, meu nome é Guilherme Araujo e sou um dos novos trainees da liga. Frequento o site há quase 9 anos e estou muito animado em participar do projeto e fazer mais amizades aqui. Como vocês vão perceber, sou muito entusiasmado com design e meu formato preferido, de longe, é o cubo. Espero conseguir contagiar esse entusiasmo com meus textos e contribuir com conhecimentos legais para vocês.
Com os objetivos de inspirar a criação de cartas de magic e ajudar na sistematização do processo de design, vou apresentar aqui o conceito de modularidade e analisar a exploração desta característica para a ampliação e solidez do espaço de design do magic. Uma das coisas que vamos constatar é que as ideias nunca vão acabar e o potencial de expansão do magic é literalmente infinito.
Modularidade, neste contexto, é basicamente a propriedade de um objeto ser constituído de peças menores e coerentes, seus módulos, que podem ser rearranjadas e modificadas para gerar objetos diferentes. Um exemplo bem característico de módulos são peças de lego. Mas existem exemplos menos óbvios: linguagem, cérebros, computadores, a própria matéria, magic, etc.
A natureza, sendo a força criativa mais rica que conhecemos (e de onde fundamentalmente retiramos nossas inspirações), abusa da construção modular e se apoia em sua eficiência. Os diferentes tipos de átomos são os legos de diferentes cores e tamanhos da matéria e, com eles, em escalas maiores, vemos construídas as coisas mais diversas. A partir deles, formam-se moléculas, que são também módulos para estruturas cristalinas, células, etc., que por sua vez formam sistemas mais complexos. Uma propriedade importante da modularidade é a organização em camadas, em que arranjos de módulos se tornam módulos para arranjos maiores.
A evolução da vida, por exemplo, atinge níveis maiores de complexidade construindo camadas de sistemas que se apóiam sobre sistemas mais antigos, explorando também a solidez de sistemas modulares. Se você quer promover modificações (mutações) que alteram o sistema significativamente sem desconfigurá-lo, tenha um sistema modular, pois ele se mantém com a reposição de módulos.
Além de crescer em complexidade pela sobreposição de camadas, um sistema modular permite a criação de um imenso espaço de design pela alta capacidade combinatória. Tente calcular o número de objetos de 10 peças que podem ser feitos com uma porção de peças que possui 10 tipos diferentes, conectados em uma cadeia linear (são 10.000.000.000 diferentes objetos, mais de mil vezes o número de pessoas vivas).
Sem mais delongas, indo ao tema central, vamos agora pensar em um jogo feito de cartas, em que você monta baralhos combinando essas cartas, que interagem entre si. Vamos dividir estas cartas em 5 cores, cada uma com sua identidade; em 4 tipos de raridades; em diferentes custos e tipos; então vamos montar um ambiente de interação com regras para estas cartas e elaborar mecânicas para incorporar nas cartas. O potencial de criação do magic se assegura nesta base, e isso é uma maravilha de criação de espaço de design. Vamos explorar exemplos disto com o que vem sendo feito na história do magic.
Cada uma das 5 cores possui uma identidade que pode ser explorada com crescente complexidade:
Cada vez que um módulo é caracterizado, podemos atribuir a ele uma identidade, fortalecendo o papel deste módulo e futuras combinações entre módulos. No exemplo das cores, vemos suas identidades se misturando na criação de identidades completamente novas para suas combinações dois a dois (as 10 guildas de ravnica) e suas combinações três a três (os 5 fragmentos de alara e os 5 clãs de khans). As combinações de cores constituem um show à parte em termos de design modular, com líderes, campeões, amuletos, terrenos, magos, etc. (que exploram bem a ideia de ciclos, discutida abaixo). Conseguimos perceber cada elemento da identidade das cores componentes e também a sua síntese, que é algo a mais do que a simples combinação dessas identidades. A equipe de design do magic adora estabelecer keywords para cada nova identidade criada; por exemplo em kaladesh, as 5 cores adquirem um novo aspecto que se relaciona ao tema inventivo da edição (relacione as palavras com cada uma das cores): Construir (build), Inspirar (inspire), Inovar (innovate), Liberar (liberate), Recuperar (reclaim).
Ideias no espaço de design podem ser expandidas, transformando-se em ciclos para as cores:
Os ciclos de cores são ideias naturais para representação de mecânicas, como o ciclo das comuns vigorosas de kaladesh, representando a mecânica de energia. Também são boas formas de se equilibrar o desenvolvimento, como o caso dos mecanotitãs de kaladesh ou os titãs das coleções básicas, que são cartas poderosas criadas para povoar o ambiente construído, principalmente o standard, que são feitas em ciclos para fornecer opções para todas as cores. Os ciclos, assim como as próprias cores, também são boas formas de afirmar a identidade, pois a existência de elementos diferentes contrasta e, com isso, ressalta a singularidade das cartas. Ciclos chamam atenção.
Brincando com os tipos das cartas, podemos desenhar cartas que fazem coisas muito parecidas para representarem diferentes ações em diferentes tipos de interações desejadas:
Aqui vemos a possibilidade de criar uma carta branca que seja uma criatura 1/1 de custo 1W que, quando entra no campo de batalha, coloca uma ficha de criatura 1/1, que é algo que ainda não existe. Cada uma destas cartas é muito parecida sob o ponto de vista de design, mas elas possuem comportamentos diferentes no jogo. Raise the Alarm pode ser utilizado como combat trick, o Receptaculo do Efemero alimenta o cemitério para seus diversos fins, etc.; tudo isso devido à exploração dos tipos de cartas.
Novas habilidades provocam um reset no espaço de design, e isso é algo que vai estar presente em todas as edições do magic:
Criar mecânicas novas faz parte da caracterização do flavor de cada expansão; as edições vão orbitar diversos temas que sugerem mecânicas e combinação de mecânicas. Innistrad explora o cemitério, mas também tem mecânicas que incorporam a morte, a loucura e os horrores; Theros explora encantamentos, mas tem mecânicas que exploram outros aspectos da mitologia grega, como os heróis e os deuses. Mirrodin e Kaladesh exploram principalmente artefatos, mas cada um à sua maneira única, então todos estes aspectos estão sujeitos a recombinação sem parecer as mesmas coisas. Além das possibilidades serem muitas, também podemos criar habilidades que soam diferentes explorando os mesmos campos, como imortal e persistir; ou mesmo ampliar mecânicas como no caso de kicker e multikicker.
Saber explorar essas e outras propriedades de recombinação que, graças à modularidade, dão um caráter diferente enquanto mantêm a mesma identidade pode garantir toneladas de edições repletas de cartas; cada edição com a sua cara e sendo fiel à estrutura que todos os fãs do jogo já gostam.
Vamos analisar também algumas maneiras de gradualmente aumentar a complexidade do jogo sem assustar os jogadores. Pensemos na capacidade de keywords aumentarem o espaço de design das cartas com um exemplo:
Aqui vão duas cartas que criei no MSE:
Podemos ver que a primeira carta, utilizando o fraseamento antigo, é muito mais visualmente carregada, apesar de ser estritamente menos complexa e interessante. E nós estamos muito acostumados com as alterações feitas, mesmo a recente alteração de kaladesh para se criar uma ficha. O uso de keywords utiliza também a propriedade de modularidade da linguagem, além da modularidade das mecânicas do magic.
A raridade das cartas também pode expandir a complexidade das cartas explorando diferentes focos do gameplay:
Desta forma, e ainda seguindo os preceitos da chamada New World Order do magic (por exemplo, de que o design de cartas comuns deve se manter simples, limpo), ganhamos um grande espaço de design ao utilizar elementos de flavor para diferenciar cartas comuns (como vemos na existência de diversos “ursos” diferentes pela história do magic), ao mesmo tempo que podemos simplesmente adicionar mais mecânicas ou mecânicas mais complexas e ter cartas diferentes, subindo na raridade. Aqui temos até o exemplo bem recente dos veículos Aeroesquife e Coptero do Contrabandista. Este tipo de diferença entre cartas não é estranho, pois sabemos que elas são destinadas a ambientes de jogos diferentes; a maioria das comuns e incomuns é pensada para os formatos limitados, enquanto as raras se voltam mais para formatos construídos, tendo tanto cartas destinadas para iniciantes quanto para jogadores experientes, para os diversos tipos de estilos e formatos dentro do jogo construído.
Explorando conscientemente estas ideias, fica bem mais fácil criar cartas e edições de magic, mas essa também é uma boa ferramenta de manipulação de espaço de design e organização de pensamento em qualquer área onde estão envolvidos processos criativos. E, para quem se interessa por ciência básica (básica no sentido de fundamentação teórica).
Fico por aqui, espero também ter conseguido dar a intuição de que a ideia de modularidade é em si um prato cheio para a nossa “fome epistêmica”. E também ter aberto um pouco mais a discussão sobre o Design das cartas.
Até!
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Obrigado! Nossa, vai ser o maior prazer se vc quiser fazer mesmo, pra mim é uma oportunidade muito legal ^^
Bem vindo, trainee ;D
P.S.: A gente já pode fazer um artigo juntos sobre o design dos generais no Commander? SIM? SIM? 3 haha