Olá, pessoal! Como vocês estão? Tudo certo?
2025 mal começou e um Retorno Aterrorizante foi conjurado, me trazendo de volta do cemitério, então lá vamos nós pro Eu Vou Perguntar Pro Artista Vol. 4.
Houve um tempo, há muitas eras atrás, em que planinautas eram quase deuses, era dito que por vezes, até mais poderosos que eles. Certa vez, pude encontrar um diário chamuscado, provavelmente perdido em um batalha, de um destes seres, em uma velha estante. Seu nome era Rapha e essas são algumas de suas anotações:
“Nas minhas andanças pelos planos do multiverso, constatei que em todo lugar que eu passava, existia um cenário, um firmamento apropriado para aquele local e suas histórias, o que pra mim, parecia bem natural e óbvio, imaginem só. Sejam nas minhas trilhas pelo mundo vivo de Zendikar, nos meus “creepy tours” pelos cemitérios frios e abarrotados de Innistrad, ter que trocar minhas botas nas planícies e pântanos de Lorwyn ou perdê-las nos desertos escaldantes de Amonketh. Todos os locais, absolutamente todos, existiam em um contexto condizente.
Em dado momento, cansado de andar pelos planos que conheci recentemente, decidi voltar ao passado. Caminhei por muito tempo pelas Eternidades e por alguns planos interessantes, a caótica Alara, a cidade sem fim de Ravnica, a tenebrosa Nova Phyrexia, depois Kamigawa, até que cheguei à grandiosa Dominaria. Todos esses lugares eram convidativos ao seu modo, locais cheios de histórias e sem alguém para contar. Num ponto, para minha surpresa, quanto mais eu caminhava em direção ao passado, antes mesmo de Dominaria nascer, pude observar um tanto de coisas que não faziam sentido pra mim. Vi mãos segurando uma taça num vazio hipnótico, vi também uma estrela esquisita num vácuo azul opaco, ainda pude observar vultos em meio ao breu e até me deparei com um homem muito irritado correndo em minha direção numa violência digna de um bárbaro. No geral, a sensação era de um estranhamento com a irrealidade de coisas deixadas ao “nada”, mas segui. Com o tempo, essa sensação foi passando, logo depois, me vi gostando do que me assombrava. Criei certa afeição e aos poucos foi ficando bom, até que em dado momento comecei a olhar positivamente para o que eu via. Talvez, acho que me acostumei.”
Lendo o relato do planinauta Rapha, me parece que todos os planos nos lançam a um contexo, mas antes desses contextos, tudo era um vazio desconfortável de se estar.
Nota do Rapha (Qual Rapha? Eu! Não o planinauta. Favor não confundir): Dan Frezier desenha Healing Salve, Sacrifice, Disrupting Scepter e Berserk no mesmo fundo vermelho psicodélico.
Lá em 2013, quando eu ouvia os jogadores mais antigos de Magic falando das cartas de Alpha e os sets iniciais, de Antiquities e Arabian Nights, o Rapha recém apaixonado pelo Magic ficava encantado com as descrições das artes, do quão poderosa algumas cartas eram e todas as lendas inerentes à elas. Mas logo depois, ao tempo que via a carta eu pensava: “Nossa, esse trem não tá bão não!”. Hoje, parando pra pensar, algumas artes de Magic não tem contexto, são apenas um chroma key em forma de desenho e acho que é natural que isso gere um certo estranhamento para o novo jogador, hoje não me parece convidativo. Por favor, não estou falando aqui de artes propositalmente feitas para que o vazio integre a carta, que dê a sensação de solidão e essas sim são visualmente encantadoras, como Terror (Alpha) ou Holy Light (The Dark), por exemplo. Outro ponto que também quero levantar é: isso significa que artes com um fundo são automaticamente melhores? Claro que não! Inclusive, posso falar umas boas cartas em que nem se a Rebecca Guay fizesse um fundo, as artes melhorariam (um beijo pra Forest Bear).
Voltando à leitura do diário do Rapha planinauta: “Ainda um pouco ressabiado pelo vazio, decido voltar para minha andança. Vou cambaleando vagarosamente ao presente. Devagar os contextos foram reaparecendo, os ambientes foram se moldando e aos poucos, começo a reconhecer novamente os planos por onde eu vim, Dominaria, Kamigawa, Alara, Innistrad, até que ao olhar para os céus, começam a se repetir alguns padrões. Horizontes intermináveis que agora eu reconhecia, não as pessoas, mas os lugares. Como um bom pesquisador que sou, intrigado com o que meus olhos curiosos capturam em alguns planos, vejo uma simetria sutil se formando, círculos, linhas brilhantes, cenários milimetricamente montados para engrandecer os personagens principais da minha linha de visão. E todos esses cenários tinham algo em comum: Alix Branwyn.”
Alix Branwyn é uma ilustradora independente que chegou recentemente ao Magic e sua primeira arte foi em Strixhaven: Escola de Magos, em 2021. Logo depois foram muitas outras artes apresentadas nos planos que se seguiram: Adventure in the Forgotten Realms, Innistrad: Caçada à meia-noite, Guerra dos Irmãos e coleções subsequentes, até Foundations, aos poucos ela tem ganhado espaço e aumentando sua contribuição ao Magic coleção após coleção. Pessoalmente, o que se destaca, uma parte notável em suas ilustrações, é a facilidade artística que ela tem em dar o protagonismo ao personagem principal ou mostrar suas intenções construindo um bom plano de fundo para a carta, e isso é recorrente, então decidi perguntá-la sobre isso.
Curioso, eu pergunto: “Senhorita Branwyn, você chegou em 2021 ao Magic, mas já ilustrou cartas icônicas e importantes para alguns formatos, como a Amalia Benavides Aguirre para o Pioneer, A Errante Eterna para o Standard e Trilha de Doces para o Pauper. Na maioria das suas artes há uma ambientação muito bem feita com o personagem principal, sendo ele o protagonista da arte. É possível observar que o plano de fundo também é feito com bastante cuidado e formas geométricas muito bem trabalhadas como em Ideia Inspirada, dando um grande destaque ao Geralf, a própria aura curiosa da Amalia, ou em Frenesi Lunar e Segredos da Chave. Podemos dizer que isso é uma característica marcante das suas artes? Essas formas circulares são imaginadas por você ou apenas uma bela coincidência?"
Ela responde: "Embora quando eu trabalhei nas artes de cartas de Magic eu esteja atuando principalmente como ilustradora, eu também sou designer. Gosto de trazer essa sensibilidade do Design para as imagens que crio e isso é possível através da forma como o personagem é enquadrado dentro de sua cena. Acho que ter esses tipos de formas geométricas trabalhadas na imagem - seja a janela circular atrás do Geralf em Ideia Inspirada ou a forma como o personagem é enquadrado contra a lua em Frenesi Lunar - é muito útil para guiar o olhar pela arte e mantê-lo em um fluxo que ajuda na narrativa. Você verá isso se repetindo ainda mais nas minha ilustrações para Foundations. Pensar Duas Vezes, é uma delas, já que o briefing dessa arte foi tão aberto que me permitiu brincar com a adição de elementos de design na ilustração."
Como já podemos imaginar, o Rapha pesquisador planinauta estava correto em suas afirmações. Não é coincidência que tais formas estejam por toda as artes da Alix. Brincadeiras à parte, é notório que o intuito da artista seja nos direcionar para algo ou lugar que queira dar destaque, o que faz muito sentido. É normal que em artes com personagens conhecidos, como Geralf e Amalia, é preciso mostrar o personagem, mas em artes que apenas mostram esses atores fazendo algo, é necessário nos fazer pensar o que eles estão realmente fazendo, parece dúbio, mas é só pensarmos no intuito da arte. Só pra exemplificar, na arte de Frenesi Lunar, a personagem principal está entrando em frenesi, pois ela é um lobisomem e está se transformando por causa da lua e a arte diz exatamente isso, um frenesi provocado pelo luar.
No fim das contas, hoje em dia isso é tão comum que nós jogadores, não nos atentamos a essas miscelâneas, mas antigamente, com os personagens ou coisas soltas num ‘fundo verde’, essas intenções eram mais difíceis de perceber. Isso me faz pensar que Magic não tinha nenhum intuito, era apenas “umas cartas sendo jogadas por umas pessoas”. Não tinha história, eram apenas “cartas jogadas por umas pessoas” e só. Imagino que posteriormente, com a criação dos mundos como temos hoje, de uma forma natural, tudo foi ganhando uma ambientação. Uma grande ideia aconteceu? Sim! Então é mais provável que ela tenha sido concebida por um cientista, como o Geralf, não é mesmo?
Tanto o Anson Maddocks quanto o Drew Tucker nos disseram que o mundo foi criado posteriormente, que a Wizards não tinha uma história para o jogo, permitindo que a criatividade fluisse dos artistas, permitindo também que os jogadores criassem as próprias histórias.
Seguindo com a entrevista, depois só por curiosidade eu pergunto para saber qual é a sua melhor obra, segundo ela mesma: Qual dos seus personagens, nessas ambientações, você gostou mais de ter desenhado?
Então, ela responde: Acho que a minha arte favorita que criei para Magic até hoje é Pensar Duas Vezes, por causa da vibe de Foundations. Nós, artistas, recebemos muito mais liberdade em como abordar a imagem final e sinto que consegui expressar muito mais da minha sensibilidade artística nessa arte em particular. E em termos de personagens de Magic, seria Amalia. Eu adoro vampiros nerds góticos e foi um prazer pintar essa personagem.
Por um tempo, o Magic nos permitiu imaginar, criar e contar nossas próprias histórias, e depois de uma pequena conversa, acho que agora tenho uma nova opinião que vai de encontro ao que eu e uma boa parte dos jogadores de Magic pensam sobre esse assunto. Agora penso que talvez precisemos concordar que, talvez, só talvez, achamos as antigas artes de Magic bonitas pois elas moram no nosso coração, o saudosismo de criar nossa própria identidade dentro do jogo é fascinante, eu sei. Principalmente quando estamos imersos na nostalgia pois lembramos de uma época que só o que guardamos na nossa memória são as coisas boas. E acredito que isso é o que faz a beleza dessas artes, a saudade de um tempo passado. Por mais que digamos que as artes de hoje tem menos das características pessoais dos artistas, que não nos permitem imaginar, que são mais genéricas, é inegável que elas melhoraram sua contextualização e ambientação. Existem muitos conceitos artísticos colocados nas artes da Alix e isso é muito bem articulado para que a ilustração se torne mais aprazível e receptiva aos novos jogadores, ou talvez, até mesmo aqueles que gostam das histórias contadas no site da Wizards.
(Alix Branwyn)
Podemos abrir discussões por horas a fio sobre o contexto em que as artes são colocadas e aí sim, estaremos debatendo construtivamente, mas de um modo geral, artes como as da Alix Branwyn são mais agradáveis aos olhos de novos jogadores. O saudosismo é maravilhoso, mas o novo sempre vem e havemos de concordar que às vezes, só às vezes, o novo é melhor. Pense nisso com carinho. O Magic não está morrendo, ele apenas está mudando, e bom, o novo sempre vem. Pense bem, até o Rapha pesquisador planinauta não existe mais, são apenas relatos em um diário empoeirado.
Chegamos ao final do 4º “Eu Vou Perguntar Pro Artista”, quadro que também é publicado no Instagram @raphamtg (segue nóis!).
Muito obrigado por todo o engajamento com os textos, comentários são sempre bem vindos, deixe o seu! Leio e respondo a todos!
Lembrem-se, se pagarem uma Mana Preta, vocês conjuram um Desenterrar e me trazem de volta! Até mais, pessoal! ^^
Ótimo artigo.