Nunca vou me esquecer do dia em que estava na praia e minha mãe perguntou:
“Vamos comprar picolé, que sabor você quer?”
E eu respondi que queria Napolitano, até que ela, prontamente, respondeu:
Cê gosta do que é difícil heim, Bruno?”.
Ano depois, em uma situação completamente diferente, meu pai me disse que eu adoro dar murro em ponta de faca, e que isso queria dizer que eu adoro sofrer.
Não é por mal, o rapazinho de TI que programou meu cérebro que colocou essa vontade incessante de querer o mais difícil, não fui eu quem escolheu.
É claro que no Magic não seria diferente.
Eu não sou uma pessoa que aprende rapidamente, eu não tenho o “feeling”, como já falei aqui há muitos anos, então meus aprendizados foram através de ajuda de amigos ou de puro sofrimento individual.
Com o tempo eu fui entendendo as melhores maneiras de sofrer menos e aprender mais, e inclusive é uma das coisas que mais deixo claro para meus alunos de coach para que eles aprendam sofrendo o mínimo possível.
Só que o artigo de hoje não é sobre o MEU sofrimento, e sim sobre o do Xandre Borges, amigo meu de longa data.
Xandre é um jogador de Aggro. Ele sabe jogar de qualquer coisa, mas se dá bem de aggro. GR Boats, Humans e GW Aggro são os decks que garantiram diversos Top 8s para ele desde o nascimento do Pioneer, só que com a ameaça do deck Amália Combo e a dificuldade de grindar em cima de 5C Niv to Light, ele conseguia fazer Top 8s em CCQS, mas não conseguia converter em uma vitória.
Ele estava num streak de 4 ou 5 Top 8s seguidos, mas sempre perdia pra Niv ou Amalia no Top 8, como sentia que seus outros decks estavam mal posicionados, ele veio falar comigo para ver se conseguia melhorar o sideboard.
Fizemos uma sessão de coach que durou a tarde toda de uma Sexta-Feira antes do CCQ no Sábado, e falei para ele que o approach do sideboard estava errado, e que o ideal ele ele focar num deck estilo Death and Taxes(por ser bom, não saio indicando DnT para toda as situações), onde ele poderia usar as criaturas para taxar e atrapalhar o oponente, ao invés de tentar apenas racear e ser combado pelo Amalia ou ser massacrado pelo Niv.
No final chegamos nesta exata lista:
A estratégia era o clássico do DnT: uma pitada de clock, uma pitada de disrupt, sal a gosto.
Tentamos colocar o máximo de criaturas com efeitos relevantes no side, já que Xandre sofria por subir spells demais no game 2 e remover muitas criaturas, transformando um deck agressivo num deck midrange ou control sem o card advantage, que resultava em derrotas em partidas onde só agressivar talvez resolveria melhor.
A escolha de uma boa lista somado com a expertise do piloto resultou numa vaga para o Showdown, tudo o que ele queria.
E tudo isso com uma lista que montamos do zero em uma tarde!
Ok, e onde entra o sofrimento dele?
Entra agora.
Pouco depois após ganhar a vaga, Xandre se viu sofrendo muito contra Rakdos Aggro/Prowess, o novo tier 1 quase absoluto do Pioneer, mais um deck que era bom contra tudo o que ele jogava.
Xandre se recusa a jogar de Control. É o tipo de deck em que ele não se sente bem pilotando, então tínhamos aggro, combo e midrange para escolher.
Acontece que os combos do formato não o apetece, e ele preferia testar 50 decks agressivos antes de um midrange.
Durante esses meses, eu mandava diversas listas para ele. Não eram listas perfeitas ou ao menos boas, mas todas elas tinham algum ponto que eu achava interessante para discutirmos.
Acontece que ele achava todas as listas ruins por não ganharem facilmente de Rakdos Aggro.
Ele não mentiu, as listas não ganhavam do Rakdos, mas meu ponto não era achar uma resposta simples, e sim um caminho que pudéssemos seguir.
Gr Aggro? Ruim. Boats? Péssimo! Humans? Injogável! GW Menina? Pior deck da história.
Se nenhum deck que ele poderia jogar era bom, ou estávamos fazendo algo errado, ou era melhor ele simplesmente jogar de Rakdos, que supostamente era o melhor deck do formato.
Tive uma ideia que poderia resolver: se o problema eram criaturas, podíamos aumentar o número de Portable Hole e efeitos similares já no maindeck, ganhando tempo precioso contra o Prowess.
Eu testava algumas versões de aggro com mais removal, mas sentia que isso não resolvia no geral, pois melhorava muito contra prowess e piorava muito contra control, e ganhar de control sempre foi uma vantagem do GW comparado aos outros decks agressivos.
Expliquei pro Xandre que ele precisava adaptar um deck ou mudar de arquétipo, mas ele não queria me ouvir.
Não sou o senhor da razão, eu mesmo não tinha uma resposta concreta para o que ele precisava, mas sabia que estava no caminho certo. Só queria que ele entendesse que estávamos no caminho certo, mas faltava mais testes e treinos, algo que eu não podia prover no momento.
Decidi que não poderia mais ajudá-lo antes do torneio, mas estava torcendo que ele fosse bem. Ano passado ele fez Top 16 no Showdown e ficou com o gostinho de Top 8 na boca. Quem sabe agora não era a hora?
Uma semana e meia depois eu recebo a notícia de que ele foi de Rakdos Midrange e que fez top 8!
Infelizmente a vaga era para o Top 6 e ele perdeu na repescagem, mas reparem que sair do aggro e ir para o midrange, principalmente um deck que tinha boa partida contra o Prowess que o amedrontava tanto, deu certo!
Vemos aqui que, novamente, uma boa escolha de deck somada à habilidade do piloto, fez com que ele fosse longe.
Diferente da vez com o GW, ele não teve só good matchups, nem tudo foram rosas, no entanto, isso não tira o mérito da boa escolha para o field, mesmo que tenha sido a famosa escolha 50% contra tudo.
Mesmo dando murro em ponta de faca, Xandre pegou os ensinamentos que tivemos juntos e afunilou na hora de escolher o deck, provando que nenhum deck é imbatível e que às vezes só precisamos mudar de estratégia.
Acontece que, ao meu ver, tem um jogador nesse torneio que foi para o lado oposto do murro em ponta de faca. Seria deitar em travesseiro de pena o termo para isso? Não sei!
Esse jogador que se deu bem de maneira “””fácil””” foi Jonathan Lobo Melamed, o Jonais, de Brasília!
Jonais escolheu o Enigmatic Incarnation para o torneio. Um dos decks que mais ganhou poder com Duskmorn, com 11 cartas totalmente novas, além da tecnologia implementada.
Enigmatic existe há uns anos no formato, e sempre DESTRUIU os midranges do formato e teve problemas contra UW, Lotus e alguns decks ultra agressivos, como é o caso do Rakdos Prowess.
O que Jonais fez? Viu uma oportunidade de resolver todas essas partidas com poucas cartas:
• Ao Meio-dia no maindeck dava alguma chance contra Lotus e melhorava a partida contra Phoenix.
• O deck foi para 15 removals de custo 3 ou menos, dando um grande alívio contra as partidas mais rápidas, que eram as que ele perdia por ser um deck de curva relevante 3 ou mais.
Com medo de UW, além das novas tecnologias de Overlord e possibilidade de roubar na curva do deck, ele contou com TRÊS cópias de Chandra, Awakened Inferno, uma carta muito problemática para o UW lidar.
Jonais foi até a final do torneio, onde perdeu para um UW, o que é totalmente ok. Suas cartas de side AJUDAM na partida, não deixam ela 100-0 em seu favor.
Não sei se foi o Jonais, o time dele ou alguma outra pessoa que chegou a essas conclusões para afinar a lista. Independente de quem tenha sido, essa pessoa REALMENTE sabe ler o field e adaptar as fraquezas de um deck.
No final das contas, os Xandre e Jonais tiveram uma ótima performance num dos torneios mais importantes do ano. A diferença principal é que o Xandre sofreu para encontrar um deck, e quando encontrou, foi com um deck “justo” de partidas 50-50 e, apesar de não saber qual foi a jornada do Jonais para escolher seu deck, sabemos que a escolha foi ótima e isso ganha muitos pontos.
Não seja como eu: Pare de dar murro em ponta de faca e tente, nem que seja uma vez, o caminho mais simples, ele pode ser o melhor além de mais fácil. Deixe o sofrimento para quando você realmente precisar passar por ele, a vida já é difícil o suficiente sem tentarmos complicá-la!
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Um abraço do Orelha e até a próxima!