Olá! Quase cinco anos depois de escrever sobre o tema "Jogo Mental" aqui na LigaMagic, já tinha algum tempo que refletia sobre o assunto pensando em como atualizá-lo trazendo mais informações e vivências - afinal, a imensa maioria dos meus resultados, grandes premiações, títulos e classificações para o circuito profissional vieram após a publicação desse artigo, e boa parte deles em momentos onde eu simplesmente não tinha mais nenhuma expectativa com o jogo. Em praticamente todos os meus artigos de "report" (contando o que aconteceu no evento) essa parte psicológica é ao menos mencionada, então para quem estiver mais interessado nos específicos, pode dar uma procurada nos meus artigos mais antigos.
Porém, ao acompanhar as Olimpíadas de Paris 2024, considerando que a competição em alto nível é um fator comum entre grinders/profissionais de Magic e atletas olímpicos (claro, com as devidas proporções), e que em vários momentos de sucesso, e, principalmente, fracasso ou "quase lá", foi possível traçar um paralelo interessante entre algumas situações, que acabou virando o tema do nosso artigo de hoje.
- Manter a cabeça no lugar quando tudo dá errado
Torcemos muito para o Hugo Calderano no tênis de mesa, que chegou a abrir 10-4 de vantagem no primeiro set contra o sueco Truls Moregard nas semifinais - vencer essa partida iria garantir matematicamente a primeira medalha olímpica para o Brasil na modalidade. Quando tudo parecia se encaminhar para um primeiro set tranquilo, o sueco salvou seis "set points" seguidos, marcou oito pontos e venceu por 12-10. No segundo set, Hugo novamente abriu 7-4, mas deu a brecha para o sueco empatar, virar, e levar o segundo set também por 16-14. Hugo ainda conseguiu levar mais dois sets, mas o sueco levou mais um, e no sexto set fez cinco pontos seguidos para vencer a partida.
A virada aparentemente difícil mudou a dinâmica da moral dos jogadores. Hugo talvez fosse o atleta favorito, tanto em termos de ranking quanto de técnica e preparo, mas a situação em si acabou fazendo o sueco vir forte para a sequência dos jogos. É seguro dizer que o Hugo perdeu essa partida para si próprio, mesmo com os méritos do oponente.
O resultado certamente afetou o brasileiro, que na disputa da medalha de bronze contra o francês Felix Lebrun acabou perdendo de 4x0 - contra um oponente que já tinha vencido duas vezes nesse ano de 2024.
Quantas vezes em um torneio de Magic tomamos uma decisão ruim, uma jogada que tinha dois caminhos e acabamos indo no que dá errado, e por conta disso o oponente é recompensado com um topo ou algo absurdo que consegue fazer ele virar o jogo? E então, quantas vezes nos deixamos desestabilizar por essa situação, de modo até a arruinar nosso evento que até então ia bem?
Às vezes também somos duros demais conosco em termos de cobrança: o resultado do Hugo ainda é histórico, já que nenhum competidor de fora da Europa ou Ásia conseguiram chegar nas semifinais do tênis de mesa individual, e o brasileiro é o primeiro a conseguir tal feito.
Por mais que seja mais fácil falar do que fazer, a solução é a mesma que o Hugo Calderano falou: "Não vou deixar essa derrota me massacrar por muito tempo. É importante saber que o passado já foi e continuar para os próximos desafios." Essa é a opção que temos: continuar no grind. E parece ser o caminho que o brasileiro tem seguido, afinal, no momento da escrita deste artigo, Hugo venceu o português João Geraldo nas oitavas-de-final do tênis de mesa por equipes masculino, e ainda tem a chance de redenção.
- Fazer a sua parte e apostar no erro
Rebeca Andrade é a maior atleta olímpica da história centenária do Brasil no evento. Isso é um fato. Também era um fato que a estadunidense Simone Biles era a favorita para o ouro em praticamente todas as categorias da ginástica. Confesso que eu mesmo não acompanho tanto o esporte, mas todos os especialistas, de internet à mídia tradicional, de ex-atletas à comentaristas, apostavam que a Rebeca só teria chances de levar o ouro caso a Biles errasse sua série. Fazer o seu, e apostar no erro do adversário. Quantas vezes já não ouvimos isso no Magic em uma partida desfavorável ou contra um oponente muito melhor qualificado que a gente?
Alguns anos atrás, meu baralho utilizado para o Modern era o Gruul Valakut, um ramp que tinha uma ótima partida contra Midranges e outros baralhos justos do formato, mas que penava para enfrentar combos. Um dos combos mais presentes na época era o famigerado KCI, um combo de artefatos envolvendo Fundicao do Cla-de-Krark e Arrastador de Sucata que permitia fazer "loops" infinitos de Magibomba de Pirita para vencer a partida. Era uma péssima partida para o Valakut, que para vencer eu precisava contar com uma execução perfeita do meu lado, tanto em curva quanto em cartas advindas da reserva, ao mesmo tempo em que o oponente precisava vir devagar, faltar alguma peça do combo ou errar.
O resultado vitorioso não viria sem essa combinação de fatores: caso eu não curvasse/comprasse as cartas do sideboard, o oponente conseguiria combar com mais tranquilidade, tendo mais tempo para montar o jogo. Da mesma forma, se ele viesse com a mão perfeita em todos os jogos e não errasse a sequência do combo considerando a minha interação, também seria impossível de vencer. Aceitar e abraçar esses fatores foi fruto das conclusões tiradas em treino, e que mesmo aplicadas na prática, ainda precisavam contar com um empurrãozinho de fatores externos para acontecer.
Mas quando ambos os fatores aconteciam, o Valakut saía vitorioso, resultado esse que aconteceu algumas vezes em torneios importantes como o Grand Prix São Paulo 2018 e o KSOM 2019, me garantindo boas colocações e premiações. Da mesma forma que a Rebeca Andrade levou o ouro no solo feminino da ginástica artística fazendo a sua parte de forma magistral, ao passo em que contou com dois erros da favorita Simone Biles, que reconheceu a vitória da brasileira reverenciando-a no pódio.
- Aceitar a variância
É preciso entender até que há coisas que nos fogem do controle, o dito "RNG", a variância. Foi o que aconteceu com o surfista Gabriel Medina na disputa das semifinais contra o australiano Jack Robinson. Algo que estava fora do controle de qualquer competidor aconteceu: o mar não gerou ondas dentro do tempo estabelecido, eliminando o brasileiro de forma "injusta", sem sequer ter a chance de demonstrar algo para melhorar sua nota.
Se a regra precisa ser revista por ser injusta, aleatória, etc., tudo isso são questões para serem discutidas posteriormente, e cabe a quem organiza e gere o evento. Aos competidores, resta aceitar as regras pré-estabelecidas, por mais absurdas que sejam: no momento em que entraram para competir, estavam cientes que essa regra poderia tanto favorecê-los quanto prejudicá-los, dadas às circunstâncias.
Afinal, no Magic vamos reclamar se por ventura mulligar a 5 ou a 4, e perder por causa das cartas a menos? "Se a regra do jogo não me tirasse uma carta no mulligan...". Ou então caso não dê tempo de terminar uma partida nos 50 minutos de rodada, sabendo que o jogo estava empatado em 1x1 e favorável para você no terceiro game. "Se eu tivesse mais tempo, ganharia o jogo...".
Ambas as coisas podem ser verdade (ou não), mas o fato é que ao entrar no torneio você concorda com as regras disputadas do jeito que estavam lá, e da mesma forma que dessa vez você pode ter saído prejudicado por ela, de uma próxima vez talvez seja beneficiado. A bola e o campo são o mesmo para todo mundo, afinal.
Claro que quando acontece com a gente, o resultado pode ser frustração, raiva, tristeza. Não consigo sequer imaginar toda a preparação e investimento que o Medina colocou para chegar às Olimpíadas e ser eliminado dessa forma. Mas o fato é que a ele resta continuar treinando e se preparando para das próximas vezes fazer melhor, como fez logo na prova seguinte, garantindo ao menos o terceiro lugar, ganhando sua inédita medalha de bronze.
E quanto a vocês, leitores, gostaram desse comparativo entre as Olímpiadas e situações do Magic competitivo/profissional? Tem algum outro exemplo para citar? E como vocês lidam com suas próprias situações de jogo mental, pressão e afins? Compartilhem suas opiniões nos comentários!
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