Review de Foras-da-Lei da Encruzilhada Trovão
Uma história sobre retornos e descobertas (em mais de um sentido).
26/04/2024 10:05 - 4.065 visualizações - 4 comentários

“Nos saímos dessa com vida, Vraska. Para mim é apenas isso que importa. Eu quero pensar no que o futuro nos reserva” 

 

- Jace Beleren

 

Um opressor sol escaldante, um chão rachado pela seca e um sentimento de isolamento. Pode parecer que estou escrevendo o cenário de Duna ou Foz do Iguaçu durante 11 meses no ano. Mas não, essas são características das histórias do Velho Oeste, um gênero que (assim como histórias de investigação) eu gosto muito. Talvez seja devido às paisagens desérticas deslumbrantes ou pela energia Queer que todo Cowboy tem, mas sempre me atrai por esses contos de heróis solitários.


Mesmo assim, quando Foras-da-Lei da Encruzilhada Trovão foi anunciado, fiquei um pouco cético. Primeiramente por se tratar de uma coleção de vilões, o que abre portas para uma história cheia de clichês do tipo “olha como sou malvado”. Em segundo lugar, pela possível escolha de personagens, trazendo a volta de personagens já super-utilizados e batidos. A terceira e mais assustadora das possibilidades seria a de tentarem “acinzentar” certos vilões ou estragar a redenção de outros.

 

 

Como disse em meu último texto, o ritmo das histórias de Magic: The Gathering nos últimos anos está acelerado, causando mudanças repentinas de personagens e histórias rasas. Embora a história de MTG sempre tenha sido no mínimo polêmica, foi o fim do sistema de blocos (por razões de jogo) e a tentativa de uma história linear e continua (estrelando as Sentinelas), acompanhados da enxurrada de produtos, que causaram a erosão de nossa lore.


Por sorte, Foras-da-Lei de Encruzilhada Trovão apresenta, em mais de um sentido, retornos e fins. Antes de começar essa análise, gostaria de lembrá-los que esse é um artigo com minha opinião, algo que todos podemos e devemos ter. Dessa forma, se tiver uma opinião contrária, deixe nos comentários de forma RESPEITOSA (nós últimos artigos temos tido várias respostas bem grosseiras, mesmo eu sendo um dos criadores de conteúdo de Lore que temos um português e me esforçando muito para fazer um bom trabalho). Também sempre gosto de lembrar que não sou funcionário da Wizards of The Coast, então não tem porque deixar aqui reclamações que não tenho poder nenhum de mudança.


Dito isso, preparem seus revólveres que nós vamos entrar no meio do fogo cruzado.

 

 

- Errando o alvo (pontos negativos)

 

Primeiro, irei começar com os elementos negativos da história. Em grande maioria, o principal erro da história de OTJ foram certos retornos que não apenas foram desnecessários como ruins. Em nossa trupe principal tivemos Satoru Umezawa e Kaerveck, personagens que poderiam ter sido interessante por expandir nosso conhecimento sobre planos complexos (Kamigawa e Zhalfir), que foram resumidos a duas crianças cheias de poderes e que ficam de picuinha um com o outro o tempo todo.


Falando em briga de criança, por favor, Wizards, para de tentar ficar empurrando os irmãos de Innistrad em toda coleção em que vocês podem. Gisa e Geralf estão bem longe de serem engraçados, toda vez que os dois aparecem (principalmente a Gisa) eles me causam um surto de raiva com as palhaçadas de ambos. Gisa não apenas não ajudou com quase nada como atrapalhou a missão do trem, quase resultando na morte de um parceiro importante para a missão.

 

 

Se esses personagens não tivessem sido adicionados, outros personagens mais interessantes poderiam ter sido utilizados melhor. Embora tenha gostado da amizade caótica entre Ossinhos e Rakdos, o parum do culto ficou resumido a isso, mesmo tendo sido colocado nos principais materiais promocionais. Digo mais, sinto que emburrecem o Rakdos, tornando ele um ser que mal sabe falar direito. 


Quem também poderia ter sido muito melhor utilizada foi Erriete, uma das melhores personagens do ano passado, que tem um conflito direto com o protagonista, algo que foi citado uma vez, mas nunca levado a sério. Até mesmo Malcolm, e Bermuda poderiam ter sido melhor utilizados, mostrando a relação deles com Vraska e Jace. Mas nada dessas relações já construídas foram lembradas pela história, ficando no esquecimento.


Falando em esquecer, é isso que eu queria fazer com o Akul. Vilão totalmente genérico de desenho animado. Um amigo meu comentou que ele parecia aqueles personagens que inventamos quando criança para serem os malvadões, e sinceramente é isso mesmo (Um Dragão, Escorpião, Cowboy do mal). Parece que saímos de uma sequência de vilões incríveis para irmos para o amálgama da cafonice.

 

 

 

- Tiro Certeiro (pontos positivos) 

 

Essa foi uma história extremamente centrada nos personagens e suas relações, tendo um mundo extremamente secundário, por isso nessa segunda parte eu não posso deixar de falar deles também, mas dessa vez da parte boa. Começarei pela inimiga de Akul, Annie Flash. Enquanto o vilão representa o suprassumo do clichê, Annie não poderia ser mais diferente. Quando vi que Annie seria Naya, tive medo de termos mais um herói caótico de bom coração. E por mais que em um primeiro momento a veterana pareça ser assim, essa imagem é quebrada no decorrer da história. 


Annie é um personagem de moral extremamente neutra, sendo uma ex-criminosa que saqueava impiedosamente. Embora ela tenha atos heróicos, eles são reservados àqueles a quem mesma possui uma relação (como Kellan ou a cidade em que vive). Sua bondade é muito mais um amor egoísta que protege seus queridos (normalmente associado a Boros/Mardu) do que um altruísmo nato. E o melhor é que isso não quebra a identidade dela, pois seu verde é claro na sua relação com suas montarias. Parece que sempre tentaram dar para Kellan uma figura feminina que acompanhasse seu amadurecimento. Em WOE tivemos a tão-inocente-quanto Ruby enquanto LCI fomos apresentando a Amália (que já se demonstrava mais crítica), em MKM foi a vez da assassina planinauta Kaya (que já balanceada a personalidade dócil e bondosa do menino com seu sarcasmo). Annie (e o ápice disso, contraponto a comportamento de bom-menino do novato com uma personalidade mais experiente e capaz de ver a malícia do mundo).


Falando em Kellan, ver ele nessa coleção me fez apegar ainda mais ao personagem, me motivando a fazer uma coleção do mesmo. Parte do que tenho para dizer sobre o mesmo será tratada na última sessão dessa Review, por hora me limito a falar sobre sua relação com seu pai. Toda a jornada de Kellan foi marcada por um tema: a quebra de sua inocência. O Kellan de WOE era um rapaz inocente que acreditou em uma fada sem pensar duas vezes. 4 coleções depois temos um Kellan que embora crédulo, não precisou de ajuda para identificar as verdadeiras cores de seu pai. 

 

 

Oko provou que muito pior do que um pai que te odeia é um pai narcisista que lhe usa. Oko deixou claro que não nutria sentimentos negativos pelo filho, mas tão pouco seus sentimentos eram positivos. Para o planinauta, Kellan não tinha importância nenhuma se não me servisse para algo (assim como a maioria das pessoas). Os momentos finais de cada um na história mostram bem como ambos são opostos: Oko deseja se vingar, não por perder o tesouro, mas por ser passado para trás. Já Kellan apenas deseja viver uma vida com quem gosta. É um conflito de Egocentrismo e Humildade.

 

 

- It's High Noon (A cereja do bolo)

 

Chegamos ao ápice da história (em minha opinião). Também é o possível ponto mais polêmico do texto, então vou pedir novamente que se discordarem, sejam educados.


Vou começar com o nosso epílogo, contando como Jace e Vraska foram curados da phirexys e suas ações seguintes. Sinceramente, a justificativa para a cura foi PÉSSIMA. Até consigo aceitar a restauração dos corpos pela pena de fênix e a influência do Halo para impedir a corrupção, mas o truque Jedi do Jace para retardar a proliferação do óleo foi simplesmente muita forçação de barra. Entretanto, eu consigo relevar uma desculpa esfarrapada quando o resto está muito bem.


Eu sempre critico muito o Jace por ser um personagem unidimensional. Toda a caracterização do telepata como um prodígio super poderoso, torna o personagem difícil de se conectar (principalmente quando o mesmo se comporta como um adolescente irritante). Por sorte, Vraska consegue extrair o melhor do personagem. O Jace que existe junto do ex-mestre de guilda do Golgari é frágil, possui uma história e personalidade. Em suma, toda vez que vemos os dois juntos, vemos um Jace humano.


Dessa vez não foi diferente. Ver um Jace com medo de perder sua amada, se reconectando com sua mãe e sonhando com um futuro me emocionou. Ranna foi uma adição incrível ao nosso leque de personagens. Em poucos parágrafos a mesma conseguiu mostrar que Jace e Vraska não são apenas um casal, mas sim uma família (e que a mesma aceita e faz parte da mesma).

 

 

A conclusão que o casal chega para mim encerra perfeitamente a jornada dos dois. Desde Ixalan, Jace e Vraska sonhavam com uma vida comum (ter encontros, ler livros e etc…). Porém, agora os dois finalmente perceberam que as únicas pessoas que impediam isso eram os mesmos. Não é porque você é especial que você precisa se destacar, não é porque você é super poderoso que você precisa ser um herói. Às vezes o fardo de salvar o multiverso é pesado demais (principalmente quando o apocalipse acontece todo ano) e tá tudo bem você quer só ser feliz e ter sua família.


Para mim, o final de Kellan também me trouxe muita satisfação. Pudemos, em 4 histórias, ver esse menino impulsivo se tornar um herói de verdade, que sabe do mal do mundo, mas nem por isso permite que a mesma o faça perder a esperança. O Kellan do final de OTJ não precisa de pai para saber quem é e nem de guia para saber o que é certo.


Essas duas jornadas mostram o que eu considero o melhor retorno da Lore de Thunder Junction. O Sistema de blocos era ruim para Magic enquanto jogo. Já o Sistema de coleções/ histórias individuais (formando uma grande saga ao estilo MCU) foi péssimo para a Lore. O Arco dos Omenpaths trouxe o equilíbrio de ambos, criando um bloco de história fechado, onde tudo acaba se conectando a um propósito (como mostrado na história principal com o amadurecimento de Kellan e no epílogo que conecta as pontas soltas deixadas durante o arco), mas que não fica estático em um mundo ou grupo de personagens.


Individualmente as histórias desse bloco variam em qualidade, mas ao olhá-las como uma única história (a história desses 3 personagens) com início, meio e fim, e quando a potência desse arco se revela, elevando todas as histórias anteriores.


 

 

- Conclusões, Reflexões e Novas Pistas.

 

Concluindo essa análise, restam algumas perguntas. Foras-da-Lei da Encruzilhada Trovão é uma história ruim? Particularmente eu acho que não, o ritmo da história é bem construído, deixando poucas partes se tornarem arrastadas, mas sem ser uma narrativa acelerada. Isso significa que é uma história perfeita? Obviamente não. A lore de OTJ é cheia de personagens dispensáveis que acabam não agregando nada a história, principalmente no caso do vilão principal. A grande potência de Foras-da-Lei da Encruzilhada Trovão reside no fato da mesma amarrar histórias que até então pareciam ser soltas e só ter em comum um personagem (Kellan). As histórias de Terras Selvagens de Eldraine, Cavernas Perdidas de Ixalan e Assassinato na Mansão Karlov individualmente variam entre ok e boas. Mas com a adição de OTJ esse conjunto dá início a um formato de história até então novo na história de Magic: The Gathering, e que na minha opinião tem o potencial para ser o melhor até agora. Espero que o Arco da Tempestade de Dragões, que se iniciará em Bloomborrow, siga esse formato, nos entregando outra jornada fechada recheada de personagens interessantes.


Peço que me ajudem nessa empreitada compartilhando esse e outros textos meus com seus amigos. Deem também uma olhada nos meus artigos na LigaYuGiOh! e conheçam um pouco da Lore desse jogo incrível. Também ficaria honrado em ter a participação de vocês na sessão comentários deste artigo. Como sempre vou deixar uma pergunta para vocês: Qual seu personagem favorito de Foras-da-Lei da Encruzilhada Trovão?


Um grande abraço a vocês e até o mês que vem! 

Bruno de Montenegro Trujillo ( DinoDille)
Bruno Trujillo, conhecido também como Dingo, é jogador de Magic: The Gathering desde 2018 e de jogos de carta desde 2015. Apaixonado por cardgames e por mundos fantásticos, produz conteúdos escritos sobre eles desde 2017, sendo estudante nas horas vagas e pesquisador de Lore em tempo Integral, também tem como Hobby Boardgames e RPGs. Se for para explorar um novo mundo, ou desvendar suas historias perdidas, este Hobbit estará pronto!
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Comentários
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- 28/04/2024 13:17:09
Não entendo esse hate em relação a Gisa/Geralf. Acho que foi um ponto de muito acerto da Wizards. A relação de amor e ódio entre os dois é incrível e muito divertida. Acho que deveriam aparecer todos os anos ou pelo menos uma vez a cada dois anos em alguma participação especial. Da história como um todo foi ótima; achei interessante ver personagens antigos, como Kaervek, mesmo numa participação pequena. É importante lembrar de antigos personagens, já que não temos mais os romances impressos de 300 páginas. Também acho que foi uma história de encerramento do Jace e Vraska (para minha tristeza, já que amo os dois) e o início de uma nova história. Tudo o que é novo assusta, então no momento para a história de Bloomburrow, meu hype é próximo de zero. Espero surpreender-me. Mas tenho poucas críticas negativas em relação a toda essa história desde Eldraine. Acho que melhor não ficou pelas próprias limitações da Wizards quanto ao tamanho e quantidade de textos. Mas nada a reclamar dos autores. Trouxeram personagens carismáticos novos em cada uma das histórias e trabalharam muito bem os personagens antigos, dentro das limitações práticas. Se eu tiver algo para dizer que não gostei, seria em relação a essa nova ameaça (ou não) dos Fomori (que está demorando muito para aparecer) e esse Loot. Precisava ser algo que lembra mais um bichinho? Gosto de animais e acho legal a mensagem de adotar um, mas ao meu ver, como família, seria muito mais interessante ter a Vraska engravidando (a Wizards parece ter medo de entrar em certos aspectos naturais como esse) do Jace, ou ter adotado uma criança humana ou górgona. Mas no todo, como nota, 9,0/10,0.
(Quote)
- 27/04/2024 14:59:10
Concordo com o texto, os pontos ruins são insuportáveis, principalmente a Gisa. A lore de OTJ teve todos os clichês de historia de faroeste possível e o melhor foi o epilogo mesmo, a sensação foi de assistir um filme de 2 horas e a melhor parte do filme foi a cena pós credito.

Não entendi a parte que você falou sobre cowboys ter energia queer
(Quote)
- 26/04/2024 14:09:45
Eu concordo plenamente que jace segurar a infeção phyrexiana foi forçado demais, além de incoerente. Mas o que ele e vraska querem fazer faz sentido: os omenpaths podem gerar mais conflitos multiversais, e fechar eles de vez parece ser uma melhor opçao. Vários vilões ja tao fazendo viagens a outros planos, como olivia e marchesa, e futuramente isso pode ser problematico. Estou curioso quanto ao Loot e a raça dos Fomori e a relevância deles no multiverso. Vamo ver no q vai dar
(Quote)
- 26/04/2024 11:12:44
O melhor da coleção em termos de Lore foi o epílogo: explicou muitas coisas relevantes (inclusive do Arco da Guerra contra Phyrexia), amarrou as pontas soltas desse pseudo-bloco Eldraine/Ixalan/Karlov e de quebra deu um panorama de como será o futuro da Lore sem comprometer a expectativa do novo e da incerteza.

Em suma: lore de OTJ, nota 6; Epílogo, nota 9,5.
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