É possível traduzir do inglês para o português o termo “grind” como moer, que seria triturar até reduzir, extrair o suco de algo. Em algum momento, definiram o ato de “grindar” como um sinônimo de jogar uma série de torneios, ou como o Matheus Akio “sandoiche” Yanagiura diria “a definição filosófica seria que grindar é um estado de espírito, uma forma constante de ser e agir. Reunir esforços e investimentos de recursos e tempo em prol de um objetivo. Na prática, adicionaria que seria como percorrer o caminho das pedras, arregaçar as mangas e mãos à obra, extrair valor pouco a pouco dos trabalhos de formiguinha”.
A figura do “grinder” é comum no Magic atual. O jogador(a) competitivo(a) que vai constantemente às lojas em busca das premiações, no geral, foca em locais com premiações mais altas e concentradas. Aquele que grinda busca também glória — o prestígio atrai essa pessoa e a faz não ter limites para conseguir o que quer, normalmente um objetivo maior. Estamos falando de alguém que grindaria em qualquer jogo, mas que viu o Magic para chegar aos seus objetivos. O flavor text do Confidente Sombrio “grandeza à qualquer custo” tem um significado quase divino para o grinder.
Moro em São Paulo, a maior Meca dos grinders de Magic em nosso país. É possível jogar todos os dias em lojas: diversas têm um público tão competitivo que simples FNMs parecem RPTQs menores, e é isso que todos eles querem, todos ali procuram por locais mais competitivos e difíceis de se jogar, todos procuram por grandes resultados. Eu mesmo, nascido no Paraná e criado no interior de São Paulo, seduzi-me com as oportunidades desse mundo, onde bastava me sentar e fazer o meu melhor. O sonho dourado do Magic. No entanto, é óbvio que não é apenas da capital paulista que saem os principais competidores do Brasil.
Em um país com dimensões continentais, é fácil ver grandes jogadores saindo de todos os lugares — do extremo Sul ao extremo Norte. O grind não escolhe lugar para nascer, ele só existe e queima por algo que deseja. Aracaju é definida, em uma rápida busca no Google, como: “Aracaju é a capital do estado de Sergipe, na costa nordeste do Brasil. É conhecida pelas praias, incluindo a Praia de Atalaia, ao centro. Junto à praia, o Oceanário de Aracaju, em forma de tartaruga, possui arraias, tubarões, enguias e tartarugas marinhas, além de exposições práticas. O passeio na marginal, a Passarela do Caranguejo, está repleta de restaurantes de peixe e marisco e é marcada por uma enorme escultura de um caranguejo.” Em nenhum momento desse verbete temos algo sobre o Magic de Aracaju ou do Nordeste, uma região cheia de grandes jogadores. Isso é uma falha tremenda quando falamos das riquezas do lugar.
No início do ano passado, eu ouvi falar de Evellyn Mota, uma jogadora de Aracaju que havia vencido um torneio da Liga das Garotas Mágicas e que jogaria diversos torneios no Magic Fest, entre eles o evento principal. Grinders saindo do Nordeste para vir ao Sul tomar o lugar que lhes é de direito não é novidade, mas por algum motivo quis saber mais. Evellyn começou, como grande parte dos jogadores da minha época, jogando na escola, no caso, no bloco de Kamigawa. Com um pré-montado de Espíritos foi a primeira vez que ela descobriu que era grinder. Não era sobre jogar mais um jogo, era sobre competir. Ela se viu, como muitos já se viram, descobrindo que ir ao torneio e enfrentar diversos adversários era muito bom: a atmosfera, o lugar e a sensação eram boas demais para não querer aquilo novamente. Contudo, assim como todos nós, a vida tem muito mais, e entre estudar, trabalhar, crescer, casar, ter filhos, viver, o Magic vai ficando de lado. Passaram-se edições como Lorwyn e outras, porém tem aquele dia em que você faz as contas, olha seu tempo e descobre que vai ser difícil, mas... não somos só feitos de decisões racionais, algumas são feitas de grind!
Grind te traz de volta a usar aquele pouco tempo livre para voltar a jogar e, olha só, existe uma loja em Aracaju e existe uma cena efervescente em diversos formatos. No Modern, Evellyn conheceu seu grande amor e àquele que dedicou seu tempo para masterizar: o Humans. Ela viu nascer e crescer esse baralho e, com ele, conseguiu seu primeiro top4 em PPTQ. No Standard (eu sei que alguém realmente ama este formato quando fala com paixão da rotação, das novidades, das mudanças, dos novos decks e do novo ambiente: mais do que perder ou ganhar cartas, se alimentar de novidades é um dos combustíveis dos grinders) ela podia competir cada vez mais e desenvolver o próprio jogo. E é neste formato em que reencontro a Evellyn.
As etapas do LATAM são o tipo de evento que nenhum grinder pode ignorar além de, para uma região com poucos torneios e que, como provocação do destino, é longe dos grandes centros, os fins de semana com dobradinhas de classificatórios são a grande chamada para aqueles que amam competir. Quatro horas de carro para cobrir os 326 quilômetros entre as capitais de Sergipe e Bahia não são um obstáculo para quem quer jogar cada vez mais sério. Gastar seu tempo livre no MTG Arena também não, sacrificar aquelas horas de sono para treinar adequadamente muito menos, ou mesmo a falta de Korvold, Rei Maldito pelas Fadinas para o Jund Sacrifice que estaria em suas mãos no torneio. O desafio de jogar é bom demais, e conseguir a vaga é melhor ainda, porque é por essas doses que ela está lá.
Como Sandoiche definiu, é um “trabalho de formiguinha”. Para uma formiga, os 2.100 km até a grande final do LATAM em São Paulo são uma grande distância. Mas, e se eu colocar o melhor combustível que existe nessa formiga? Grind leva pessoas a outros continentes, e para quem quer competir, como a Evellyn, a terra da garoa é ali do lado. “Opa, minha mãe quer ficar com as crianças neste fim de semana? Então é hora de grindar com o Jund Sacrifice, já que em time que se está ganhando, não se mexe”. Horas de MTG Arena a mais, horas de sono a menos, e chegamos à Max Arena.
Lista usada pela Evellyn no Latam
Eu preferia que a própria falasse de cada detalhe desse torneio, porém posso assegurar que ter visto diversas pessoas um dia antes e aquele treino de última hora foram fatores que a ajudaram muito a entrar focada na chance de quatro vagas para o primeiro Players Tour de 2020, abrindo 2-0. No entanto, nossa heroína aqui é humana, e após ficar com o 4-2, chegou naquela partida que não vale mais nada, mas que vale algo, e nessas quatro letras do nada ao algo existe um peso enorme que, às vezes, cai nos nosso ombros e faz tudo ficar mais difícil. 4-3 é um ótimo resultado, mas “eu me cobro, só presta quando faço resultado”, já que o grind é isso — é tirar o máximo, e ela ainda não tirou o máximo de si.
Em março temos Magic Fest, no formato Modern, onde o Humans a espera (ou não? Ela mesma assume que o momento está péssimo para o baralho). Mais do que isso, o grind está lá, e em um momento de felicidade coletiva, mais gente virá para esse evento. Eventos maiores são demais, como ela mesmo viu no LATAM. Mais do que isso: viu dois compatriotas do Nordeste avançando para o Players Tour. O caminho está lá, escrito, apontado, o mapa está em suas mãos. Durante toda nossa conversa, Evellyn falou de diversos desafios, mas a questão dos torneios em sua região sempre foi foco, desde os PPTQs, até os Regionais. Foram citados como eventos que faziam falta ao Nordeste, os grandes eventos que reuniam os jogadores da região em dias de muito Magic. No final, o que todo Grinder quer é jogar mais, é ter novos objetivos no horizonte, um caminho sempre aberto, não importa o quanto árduo seja. Até mais!
Ruda
PS: Com o olho no Magic Fest, esta seria a lista de humans que a Evellyn usaria