Magic é um jogo complexo, tão complexo que precisa de um livro com 199 páginas apenas de regras do jogo, outro de 52 páginas apenas para regras de torneio e outro livro com 30 páginas para estabelecer punições a quem viola essas regras, intencionalmente ou não.
Agora imagine aplicar essas regras... depois de aplicá-las, fazer todos os jogadores ficarem satisfeitos e todo mundo entender o que aconteceu. Pois é... tarefa tranquilamente mais difícil que achar alguém que tenha gostado da oitava temporada de Game of Thrones.
Em razão disso, para tentar simplificar uma situação extremamente comum no Legacy - e recentemente no Modern também - abaixo, algumas situações hipotéticas serão apresentadas, todas elas relacionadas ao uso de Surgical Extraction. Já adianto: prepare o coração!
Em primeiro lugar, vamos ao texto da carta:
“Escolha um card alvo de um cemitério, que não seja um terreno básico. Procure um número qualquer de cards com o mesmo nome daquele card no cemitério, na mão e no grimório de seu dono e exile-os. Depois, aquele jogador embaralha seu próprio grimório.”
Não precisa ser nenhum Machado de Assis para entender o texto acima, porém algumas dúvidas permeiam os pensamentos dos incautos, principalmente durante a execução da mágica. Então, como diria Chapolin: sigam-me os bons!
1) Jogador A casta a Surgical no Griselbrand que o Jogador B tem no cemitério. Jogador A busca no cemitério, mão e deck do Jogador B pelas cópias da carta. Ao final, o Jogador A remove 3 cartas no total. Um turno depois, Jogador B casta Entomb, coloca o quarto Griselbrand no cemitério e ganha a partida.
Trata-se de uma jogada legal. Não adianta chamar o juiz, pois não tem embutido no texto da carta - quando ela determina com imperativo do verbo procurar - que o jogador que procura, tenha que achar todas as cópias da carta, necessariamente. Infelizmente para o jogador B, ele comeu mosca e devia ter procurado melhor.
Para os mais puristas, direto do Magic: The Gathering Comprehensive Rules: “701.15b If a player is searching a hidden zone for cards with a stated quality, such as a card with a certain card type or color, that player isn’t required to find some or all of those cards even if they’re present in that zone.”
2) Jogador A casta a Surgical no Griselbrand que o Jogador B tem no cemitério. Jogador B, em resposta a Surgical do Jogador A, casta Surgical dando alvo no mesmo Griselbrand. Jogador B busca no cemitério, mão e deck próprios pelas cópias da carta. Ao final, remove apenas o Griselbrand do cemitério. A Surgical do Jogador A perde o alvo e pifa. Um turno depois, Jogador B casta Entomb, coloca um Griselbrand no cemitério e ganha a partida.
Novamente, jogada legal. Como dito acima, o jogador que procura, não precisa achar todas as cópias, logo, ao remover o alvo da Surgical castada pelo oponente, ele pifa a Surgical do oponente e protege as demais cópias que possui da carta, em seu deck e/ou mão.
Nas regras: 608.2b If the spell or ability specifies targets, it checks whether the targets are still legal. A target that’s no longer in the zone it was in when it was targeted is illegal. Other changes to the game state may cause a target to no longer be legal; for example, its characteristics may have changed or an effect may have changed the text of the spell. If the source of an ability has left the zone it was in, its last known information is used during this process. If all its targets, for every instance of the word “target,” are now illegal, the spell or ability doesn’t resolve. It’s removed from the stack and, if it’s a spell, put into its owner’s graveyard.
3) Jogador A casta a Surgical no Griselbrand que o Jogador B tem no cemitério. Jogador A busca no cemitério, mão e deck do Jogador B pelas cópias da carta. Ao final, o Jogador A acha mais 2 cópias e pergunta ao jogador B se ele possui mais cópias da carta. Jogador B desconversa, recusa a resposta e fala para ele procurar novamente, caso queira. O Jogador A remove 3 cartas no total. Um turno depois, Jogador B casta Entomb, coloca o quarto Griselbrand no cemitério e ganha a partida.
Novamente uma jogada legal. Espera que já explico, só vê essa aqui antes:
4) Jogador A casta a Surgical no Griselbrand que o Jogador B tem no cemitério. Jogador A busca no cemitério, mão e deck do Jogador B pelas cópias da carta. Ao final, o Jogador A acha mais 2 cópias e pergunta ao jogador B se ele possui mais cópias da carta. Jogador B mente, e fala que só joga com 3 cópias. O Jogador A remove 3 cartas no total. Um turno depois, Jogador B casta Entomb, coloca o quarto Griselbrand no cemitério e ganha a partida.
Pasme, sem cair da cadeira, trata-se de outra jogada legal e já vamos entender o motivo.
Existem quatro tipos de informação no jogo, definidas pelo MTR (Magic Torunament Rules), no item 4, que são: status, free, derived and private.
As informações de status são aquelas relativas total de vida, contadores de infect em um jogador, efeitos contínuos como monarca. Essa informação tem que ser informada sempre que mudar e devem ser acompanhadas fisicamente por ambos os jogadores (anotação de life, por exemplo).
As informações free são aquelas a que todos os jogadores devem ter acesso, sem que um deles possa se negar a ajudar o outro a descobrir essa informação. Por exemplo, o nome de uma carta, a fase atual do turno, o estado do objeto, se está virado ou não, atacando ou bloqueando, etc.
As do tipo derived são aquelas em que, apesar de estar disponível para ambos os jogadores, um não é obrigado a ajudar o outro a descobri-la. Por exemplo, regras do jogo, número de cartas no cemitério ou no exílio, poder e resistência do Tarmogoyf, etc.
Por fim, as do tipo private, por exclusão, são o que resta. Informações que não precisam ser compartilhadas com o outro jogador e as quais o jogador adversário não tem acesso. Por exemplo, quantos Tarmogoyfs tenho no meu deck; se uso Tormod’s Crypt ou Surgical Extraction; ou o que tenho no meu deck e minha mão. Isso mesmo, tudo informação privada.
Definido isso, no mesmo item do MTR, está determinado o seguinte, sobre as regras que coordenam a comunicação de jogadores:
- The following rules govern player communication:
Players may not represent derived or free information incorrectly.
Players must answer completely and honestly any specific questions pertaining to free information.
Em uma tradução livre, jogadores não podem mentir sobre informações free e derived. Repare que não há qualquer citação sobre informações do tipo private. Logo, se a regra não menciona informações do tipo private, por conseqüência, ela não se aplica as informações do tipo private.
Existe uma máxima do Direito Privado que diz que tudo que a lei não proíbe, por conseqüência, a lei permite. Isso significa que é permitido aos jogadores mentirem sobre informações do tipo private e, por conseqüência, mentirem sobre o conteúdo presente em zonas privadas (ou hidden zones). Mas o que são hidden zones?
Zona, é um lugar que objetos podem existir no MTG. Existem 7, normalmente, são elas: library, hand, battlefield, graveyard, stack, exile, and command. Algumas delas são públicas e outras são privadas ou hidden.
Repare que no item 400.2 do Magic: The Gathering Comprehensive Rules, tem a seguinte definição de hidden zone: Hidden zones are zones in which not all players can be expected to see the cards’ faces. Library and hand are hidden zones, even if all the cards in one such zone happen to be revealed. Em bom português, deck e mão são secretos, então nem adianta chorar para saber se uso 4 Thoughtseize ou apenas 2, que não preciso contar. E o mais importante, a zona continua sendo secreta, mesmo se ela for revelada por qualquer efeito.
Logo, em nossos dois exemplos hipotéticos, o Jogador B tanto poderia se negar a responder a pergunta, como poderia mentir sobre o número total de cartas que possui no deck, pois se trata de informação privada e seu deck e mão são consideradas zonas secretas (hidden zones). Indo ainda mais longe, mesmo que o Jogador A não perguntasse quantas cartas o Jogador B utilizava no deck, o Jogador B poderia, no meio da busca realizada pelo Jogador A, falar com ele que usava só três. Isso, ainda seria uma jogada completamente legal. Por exemplo:
Jogador A casta a Surgical no Griselbrand que o Jogador B tem no cemitério.
Jogador A busca no cemitério, mão e deck do Jogador B pelas cópias da carta. No meio da busca, após o Jogador A achar mais 2 cópias da carta, o
Jogador B afirma que só possui 3 cópias daquela carta. O Jogador A para de procurar, remove 3 cartas no total. Um turno depois, Jogador B casta Entomb, coloca o quarto Griselbrand no cemitério e ganha a partida.
Esse tipo de jogada é considerado legal, pelos mesmos motivos das outras duas situações acima. A não ser que seja para um juiz, um jogador não tem que falar a verdade ou revelar nada sobre o conteúdo de uma zona secreta ou de informações privadas, ainda que essa informação esteja sendo revelada.
Mentir, nesse caso, é considerado blefe e blefe, por sua vez, por definição, nada mais é que uma tática empregada por um jogador que tem acesso a informações ocultas a que o oponente não tem acesso, na qual o jogador tenta enganar o oponente para pensar que a informação oculta é algo diferente do que realmente é.
Mas repare bem no texto: INFORMAÇÃO OCULTA (PRIVATE).
5) Jogador A casta a Surgical no Brainstorm que o Jogador B tem no cemitério. Jogador A busca no CEMITÉRIO E NO DECK do Jogador B, que por sua vez, DISTRAI o Jogador A, mantendo a própria mão virada para baixo, na mesa. Ao final, o Jogador A acha mais 2 cópias e pergunta ao jogador B se ele possui mais cópias da carta. Jogador B mente, e fala que só joga com 3 cópias. A distração funciona e o Jogador A ESQUECE DE PROCURAR na mão do Jogador B e remove 3 cartas no total. Um turno depois, Jogador B casta Brainstorm que estava na sua mão.
Houston we have a huge problem.
Nesse caso, senhores, teremos problemas. O item 2.6 do IPG, que é o guia de penalidades do MTG, tem-se a seguinte definição para Failure to Maintain Game State – ou falha em manter o estado de jogo.
Definition: A player allows another player in the game to commit a Game Play Error and does not point it out immediately. If a judge believes a player is intentionally not pointing out other players’ illegal actions, either for their own advantage, or in the hope of bringing it up at a more strategically advantageous time, they should consider an Unsporting Conduct — Cheating infraction. Not reminding an opponent about their triggered abilities is never Failure to Maintain Game State nor Cheating.
Em uma tradução livre:
Um jogador permite que o outro jogador, no jogo, cometa um erro de game play e não indica esse erro imediatamente. Se um juiz acreditar que ele deixou de avisar o erro, ou seja, fez isso em beneficio próprio, isso deve ser considerado Conduta Anti-esportiva – Roubo. Não lembrar o oponente das habilidade trigadas dele, nunca é uma infração desse tipo, ou seja, não é Failure to Maintain Game State ou Cheating.
Percebe-se aqui, que existe uma penalidade para o jogador que deixa o oponente cometer um erro e intencionalmente não impede isso em benefício próprio. Se existe uma penalidade, tal conduta é proibida. No nosso exemplo, o Jogador A intencionalmente distrai o Jogador B, para que ele se esqueça de olhar em sua mão e, assim, permanecer com a ultima copia de Brainstorm intacta.
Esse tipo de conduta não é blefar, esse tipo de conduta é cheating e é punida com desqualificação do torneio. Repare que a diferença para as situações indicadas no item 4, está justamente em promover um erro no jogo, em beneficio próprio. Não é simplesmente ocultar ou mentir sobre informação secreta, mas efetivamente fazer com que o jogo se desenvolva de forma incorreta, que, aqui, é ausência do procurar na mão, determinado pelo efeito da carta.
É isso, espero ter sanado boa parte das dúvidas. Eu entendo que muitas pessoas vão ver as situações do item 4 como situações anti-esportivas. Entretanto são situações completamente dentro das regras de do MTG. É preciso vê-las não de forma binária, preto no branco, mas como uma situação permitida no MTG competitivo. Repare que muitas condutas competitivas, inclusive, acabam caindo nessa mesma área cinzenta.
Ademais, o IPG define, claramente, o que são condutas anti-esportivas e essa condutas não estão lá. Por fim, no próprio MTR, item 4.1, está estabelecido que um jogador deve ter vantagem em razão de um melhor entendimento das regras do jogo. Recriminar esse tipo de conduta é o mesmo que penalizar um jogador por aplicar as regras do jogo com extrema eficácia.
Moral da história: não se sinta mal por aplicar as regras do jogo ao pé da letra e nunca deixe de manter o game state em perfeito estado, intencionalmente, em benefício próprio!
Pessoalmente, eu mentiria? Provavelmente não e, ainda, responderia a pergunta com a informação verdadeira. Porém, não jogo o jogo profissionalmente e a comunidade Legacy é bastante próxima, com muitos amigos e conhecidos de longa data. Em contrapartida, se eu perguntasse ao meu oponente e ele mentisse sobre o número de cópias utilizadas, não o recriminaria por isso.
Concorda? Deixe nos comentários seu ponto de vista sobre o assunto!
Então. Se o jogador que castou a surgical, intencionalmente não procura na mão do oponente, ele criou um failure to maitanin game state e vai ser penalizado, provavelmente não com DQ, pq foi prejudicial pra ele. Entretanto, se conseguirem provar que ele fez isso para induzir um comportamento ilegal do oponente, pode ser que a penalidade seja maior e chegue a um DQ, sim. Mas isso vai depender da investigação feita, se ele ja tiver feito isso antes, no campeonato, etc.
Se o jogador que tomou a surgical, tiver uma carta na mão e intencionalmente não mostrar a mão, mentindo sobre o conteúdo dela, ele tambem criou a failure to maintain game estate. Se ficar provada a intenção de não mostrar a mão, aproveitando-se do "erro" do oponente, pode ser que isso vire um DQ.
Difícil é saber qual dos 2 seria o mais mau caráter...kkk
A melhor resposta que achei, foi de um forum de juizes no link abaixo. Em resumo é slow play e não pode acontecer. Se um jogador começar a anotar seu grimório depois de uma surgical, só chamar por um juiz que ele vai ser penalizado e forçado a parar.
Dê uma olhada no exemplo B: https://blogs.magicjudges.org/rules/ipg3-3/
na realidade pelo que eu sei o oponente pode emparalhar, mas no final o oponente tem que embaralhar.... um juiz local informou isso certa vez em um champ tanto que em competitivo se o oponente nao for o ultimo a embaralhar (tocar no dec do oponente) ele e o oponente levam uma advertência!