É possível ser um jogador melhor?
Conheci Magic com uns 14 anos mais ou menos. Comprei um deck por curiosidade, acho que era uma caixinha de quarta edição. A parte que me lembro muito bem era do meu fascínio pelo poder bruto daquelas cartas. Eu ainda nem jogava, mas definitivamente o Senhor da Guerra de Keldon é a melhor carta que veio naquele deck, e arte irada da carta só me confirmava isso.
Algum tempo depois comecei a jogar, e sem perceber minha forma de ver as cartas mudou completamente. Na minha cabeça as interações entre as cartas se tornaram bem mais interessantes do que cada uma delas isoladas. Deixei de admirar as cartas para me encantar com o jogo. Até hoje, ainda o considero o melhor já inventado.
Jogando, eu até queria ganhar, e achava que conseguiria, mas isso não acontecia muito. E eu me conformava com a ideia de que eu não era um bom jogador. Olhando pra trás eu acho que tinha uma visão muito imediatista do jogo - e também fora do jogo. Não foi sem motivo que me apelidaram Skizzik - um Elemental do Relampago cujas habilidades são ímpeto e atropelar. Sim, ele às vezes morre no final do turno, mas quem se importa com o futuro? Joguei Magic por alguns anos, me diverti muito e fiz amigos pra vida toda, e parei de jogar em 2003, sem ter aprendido a jogar Magic de verdade.
E a vida aconteceu, e me transformou em outra pessoa ao longo de 15 anos. Não dá pra ser um Skizzik adulto, porque as outras pessoas não são obrigadas a lidar com um temperamento explosivo e impaciente. Não abandonei por completo o que eu era, mas tive que aprender que há hora certa pra cada coisa. E também formas mais eficientes de chegar onde eu quero.
Ano passado, movido pela nostalgia, fui jogar um pré-release. Acabei me empolgando um pouco depois e decidi voltar a jogar. Fui então escolher com qual deck começar, e não escolhi o deck com as cartas mais legais ou as sinergias internas mais interessantes. Sem nem precisar pensar, escolhi o deck cujas cartas eram melhores contra as cartas dos outros decks do field. Eu já não era o mesmo jogador de antes. Não me importava com a cor do deck, ou o arquétipo. Houve uma mudança muito grande na minha visão sobre o desenrolar de uma partida de Magic, pois hoje tenho uma visão mais abrangente sobre o todo, e ao mesmo tempo focada em atingir um objetivo - ganhar a partida.
A partir daí os meus esforços com relação ao Magic naturalmente convergiram para ser um jogador melhor, e assim poder ganhar mais. Estudei desde o Level One do Reid Duke até o Philosophy of Fire do Mike Flores. Não foi algo intencional, e sim um reflexo da minha personalidade atual, mais pragmática e focada. A mudança central e mais importante foi ter um objetivo - ganhar mais partidas. Não tem problema algum jogar Magic com outros objetivos, e inclusive dou destaque pro quanto me diverti jogando de outras formas quando era mais novo. Mas é essencial saber o que você quer para poder chegar lá. O que posso compartilhar é a minha experiência e que eu aprendi buscando meu objetivo.
Desisti de ganhar.
Sim, o primeiro passo para ganhar mais foi parar de querer ganhar sempre. Magic é um jogo cujo resultado é definido pela sorte, não importa o quanto eu me recuse a acreditar. Não importa a minha habilidade ou escolha do deck se eu nunca comprar um terreno, mesmo após seis mulligans (trocas da mão inicial). Então, por mais que eu queira acreditar que todas as escolhas que eu fiz até aqui me farão ganhar essa partida, pode ser que eu embaralhe e meus 25 terrenos fiquem no fundo do deck. Toda vez que eu embaralho existe essa possibilidade, e não precisa ser exatamente todos os terrenos juntos para que eu perca o jogo. Há milhões de ordenações das cartas de um deck que me farão perder o jogo, independente das minhas escolhas. Entender isto, e humildemente aceitar minha impotência diante destes casos foi fundamental para tirar um peso das minhas costas. Como Ben Stark disse numa entrevista, Finkel ganhava “apenas” 65% das partidas que jogava. O passo seguinte foi reconhecer o outro lado dessa moeda. Também há diversos jogos que eu ganhei por que meus oponentes não tiveram sorte. O mais importante foi conseguir entender que há jogos de Magic que foram decididos pela sorte, e não pelas escolhas.
Depois ficou mais fácil extrapolar que a mesma coisa que ocorre nos jogos zicados e floodados (sem nenhum terreno ou com terrenos demais) também ocorre sutilmente nos outros jogos, os mais equilibrados. Assim como há mãos iniciais que claramente me fazem ganhar ou perder, em todos os jogos intermediários também há sequências de cartas compradas do deck que me darão a vitória ou a derrota, e o complicado é enxergar isto no meio de um monte de cartas e decisões que não afetaram o resultado da partida.
Um exemplo: meu oponente e eu temos 1 de vida, e ele tem várias criaturas. Se eu comprar um Choque eu ganho. Se não eu perco. Neste ponto do jogo, há muitas cartas que são irrelevantes. Na maioria dos jogos não vai ser tão óbvio que exatamente uma carta que comprei decidiu a partida, mas todas as outras cartas que joguei antes também vieram do meu deck, que está ordenado aleatoriamente, então todas elas vieram para a minha mão por sorte também. Analisando qualquer partida de Magic em ordem inversa, é possível identificar que se algumas determinadas cartas compradas dos decks fossem diferentes, o resultado também seria.
Mas então o que eu faço não importa?
Exatamente o contrário. É a única coisa que importa. Se por um lado é importante entender e aceitar que o resultado final será decidido pelas cartas sendo compradas dos decks, por outro o valor de cada uma delas varia durante o jogo - cada compra pode ser boa ou ruim, dependendo do contexto. O mesmo vale para as cartas já compradas, que já estão nas mãos dos jogadores. Desta forma, a probabilidade de comprar uma carta boa ou ruim é variável, já que o impacto de cada uma no jogo e a quantidade disponível estão sempre mudando. A cada decisão que eu tomo eu estou influenciando o valor relativo das cartas. Por exemplo: ao jogar uma mágica de criatura eu aumento o valor de uma mágica de destruir criatura na mão e no deck do meu oponente.
O foco é diferenciar que as minhas escolhas não são a causa direta do resultado final, mas elas o influenciam. Uma escolha é relevante quando ela faz com que uma sequência específica de cartas que iria resultar em derrota tenha um resultado diferente. Ainda que eu não possa prever exatamente qual é a sequência que ocorrerá no futuro, eu conheço quais são as sequências possíveis. E a partir daí tenho que escolher visando trazer o jogo para uma situação onde haja um número maior de possíveis sequências a serem jogadas que resultem em vitória. O resultado final continua aleatório, mas uma boa escolha pode mudar a chance de ganhar de 50% para 60%, por exemplo.
Exemplo: quando escolho deixar de fazer uma criatura chave no jogo para fazê-la no turno seguinte após um Coagir, estou mudando a probabilidade de que minha criatura seja anulada ou respondida. Pode ser que meu oponente tenha dois counters (mágicas que anulam outras), mas esta é uma probabilidade menor do que a dele só ter um. Ou seja, o resultado final é definido pela sorte (meu oponente pode ter 1 ou 2 counters), mas a minha escolha muda a probabilidade final de sucesso da mágica. E toda esta possibilidade de escolha só existe porque estas cartas foram compradas dos decks.
E porque as escolhas são a única coisa que importa? Porque eu não controlo a sorte. Eu embaralho meu deck de forma a ter uma pilha de cartas ordenadas aleatoriamente - não tenho nenhum controle sobre quais cartas vou comprar. Então não adianta eu concentrar minha energia e atenção nessa parte do jogo, porque não vai mudar nada. O deck é um objeto inanimado, e ele não se importa com o meus sentimentos.
Ok, mas mesmo que querer ganhar sempre não ajude, como que atrapalha?
Frustração. Ela tem efeitos diferentes nas pessoas, mas ainda não conheci ninguém onde fosse positiva. Quantas vezes já nos sentimos mal por um jogo ter sido perdido por uma única carta no topo do deck? Criar a expectativa de que posso ganhar sempre é um caminho certo para frustração, já que estou criando um objetivo sobre o qual não tenho controle total. Essa sensação ruim também me faria jogar de forma pior nas partidas seguintes, reduzindo meu rendimento no evento. Para saber mais sobre como estes sentimentos negativos podem ser destrutivos, recomendo os artigos do Will Jonathan.
E ao evitar a frustração também posso concentrar a minha energia naquilo que eu efetivamente consigo influenciar. Toda vez que deixo de lado alguma coisa que não tem efeito algum no jogo, estou poupando meus esforços para o que realmente importa: tomar as melhores decisões - aquelas que se eu fizer sempre me darão uma maior taxa de vitórias. Economizar energia onde for possível é fundamental para um bom rendimento num jogo onde exaustivamente precisamos considerar tantos cenários diferentes a cada turno. Sempre lembrando que mesmo com as melhores decisões, posso perder. E conseguir lidar bem com isso.
Esta é a forma como jogo Magic hoje, de forma utilitária e em paz com o aleatório. Sempre buscando as melhores escolhas, aquelas que aumentam a chance de que eu ganhe a partida, mas ao mesmo tempo consciente de que o resultado final é um produto aleatório da combinação de cartas compradas, e que não tenho controle sobre isso. Assim mantenho meu foco no que eu posso controlar, evitando desperdício de energia e frustrações desnecessárias.
E você, como joga Magic?
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Obrigado pelo comentário! Realmente resumi muito dentro da palavra sorte para simplificar, quero detalhar cada componente nos próximos artigos e chegar em um modelo geral. Neste primeiro a ideia central é a aceitação de que o resultado é aleatório, um primeiro passo na busca por viver melhor. Abraço!
Faria apenas uma pequena ressalva em relação a Magic ser um jogo de sorte: eu diria que Magic é um jogo matemático, de probabilidade, aleatoriedade e estatística. Aliás, é um jogo "matemágico", que não coincidentemente foi criado por um matemático! :)
A sorte não define o Magic, mas é um componente importante do jogo. Lembrando que "sorte", nesse caso, também é matemática. E é justamente essa dinâmica que oferece equilíbrio ao jogo. O que permite meros mortais vencerem grandes Deuses e grandes Deuses adquirirem a consciência de que é impossível se ganhar sempre, pois o componente sorte joga sempre dos dois lados da mesa.
A questão de ser um jogador melhor, na minha opinião, é, em primeiro lugar, adquirir essa consciência, que você descreveu muito bem em seu artigo. Começa na composição da estratégia de seu deck, com a escolha de cada card de forma a aumentar a probabilidade de sua execução. Tomar as decisões concisas com a situação de jogo, ou seja, contando com a aleatoriedade que foi lançada na partida a você e a seu oponente! E estar preparado para a sequência de ação e reação que o jogo proporciona e que o torna tão divertido tanto para os veteranos, quanto para os iniciantes. Todos têm a chance de vitória. E todos aprendem a melhorar sempre. Não existe uma partida igual a outra. E cada jogador não se obriga a jogar sempre com o mesmo deck, ou com exatamente as mesmas cartas. E o que ajuda a nos dar um norte e a enxergar se estamos no caminho certo é a estatística. É nosso guia, o termômetro de nossa estratégia.
É possível ser um jogador melhor? O Magic ensina muito mais que isso: assim como no jogo, na vida é possível se melhorar sempre.
Grande abraço e um bom MathMagic pra você! ;)
Verdade, esse comportamento faz parte do ser humano. Mas podemos trabalhar pra evitá-lo, e assim ficar um passo a frente.