LigaMagic Entrevista: Amana Zanella
Liga das Garotas Mágicas, Magic e Representatividade.
08/03/2018 10:00 - 6.356 visualizações - 67 comentários

 

Moradora de Belo Horizonte, Minas Gerais, jogadora desde 2009 e dona de um poderoso commander de Mayael, a Anima​, Amana Zanella é Coordenadora Regional da Liga das Garotas Mágicas, grupo que visa "um espaço seguro para que mulheres possam falar de Magic sem receberem comentários hostis e preconceituosos", como está no site oficial da LGM. Com pontos de vista bem definidos, ela conversou conosco sobre a importância de projetos como a Liga das Garotas Mágicas, espaço em lojas, Magic e representatividade.

 

 

 

LigaMagic: Como foi o seu começo no Magic?

 

Amana: Comecei jogando já com alguém mais experiente e custei a pegar as mecânicas do jogo no começo, e o mais engraçado, é que quando comecei a pegar o jeito com o meu deck, um combo Aluren, o pessoal que eu jogava mudou de formato, indo para o Commander. Eu mal conseguia decorar o que todas as cartas do meu deck de 60 cartas faziam, quem dirá em um formato onde são 100 cards, sem usar cópias. 

 

Mesmo achando que eu nunca pegaria o jeito, eu continuei jogando, até montar o meu commander de Mayael, a Anima​, um dos meus bebês, e hoje Commander é um dos meu formatos favoritos.

 

LigaMagic: Como é jogar em Belo Horizonte?

 

Amana: Belo Horizonte tem lojas com grande tradição no cenário e nunca tive problemas para achar pessoas para jogar, já que, sendo jogadora de mesa de cozinha, até então, eu tinha um grupo de pessoas fixo. Meu problema foi quando comecei a ir para loja, isso, para mim, foi desafiador. Porque uma coisa, quando você é mulher, é jogar com pessoas que você conhece, outra coisa é você sentar em um mesão com pessoas que você nunca viu na vida, que você nunca viu o deck. Mas hoje em dia eu frequento algumas lojas de Belo Horizonte, mas bem selecionadas.

 

LigaMagic: Citando essa questão de selecionar loja, antigamente eram raras as lojas, então os jogadores aproveitavam qualquer espaço para jogar, mas hoje é possível escolher. Quando você fala sobre selecionar uma loja, o que é levado em conta?

 

Amana: Levamos em conta diversos fatores, eu que organizo os encontros da Liga das Garotas Mágicas por aqui, então sempre levo em conta que o ambiente que as minhas meninas vão jogar, seja um ambiente saudável. Nós já sabemos que Magic é um hobby com uma infinidade de gente tóxica e você não precisa de mais gente assim. Sabendo disso, não podemos simplesmente ir em qualquer lugar e achar que lá será tranquilo, isso é utópico. Então quando penso em ir jogar em algum lugar eu sempre vejo quem são os jogadores que frequentam, se são pessoas que "aceitam" novatos na mesa, como essas pessoas se comportam e até mesmo qual o  comportamento da galera da loja perante uma situação de problema e isso é um fator imprescindível, organizando eventos você começa a entender o quão importante é esse fator. Teve um evento da LGM, divulgado por pessoas da LGM, onde em uma loja, uma das garotas foi perseguida por um estranho. Então quando falo de loja selecionadas, são diversos fatores. Inclusive, o público LGBTQ também tem esse problema de segurança em loja, tanto que eles também estão se juntando para selecionar lojas que tenham um ambiente seguro.

 

LigaMagic: Podemos entender a loja de Magic como um ambiente tóxico, por definição?

 

Amana: As lojas de Magic são, por muitas vezes, um reflexo da nossa sociedade. E o jogo, por ser caro, acaba criando um ambiente elitizado, sendo que alguns formatos ainda criam mais elites dentro do jogo. Isso pode fazer com que a pessoa que já não tem um comportamento adequado se mostre ainda mais tóxica (com jogadores de Magic e até de outros card games).

 

LigaMagic: O Dia oito de Março é o Dia Internacional da Mulher por ser uma data que marca a luta das mulheres por seus direitos, o que a LGM pode comemorar e pelo o que a LGM batalha hoje em dia?

 

Amana: Podemos comemorar muitas coisas, a LGM foi criada à 3 anos pela Akei Uehara, e desde então, nós temos aumentando exponencialmente o número de juízas apoiadas pela LGM, o número de jogadoras nos PPTQs praticamente dobrou, em relação aos anos que a LGM não existia, e nós somos uma comunidade que se apoia muito. Quantas vezes uma das garotas não comentou em um dos nosso grupos sobre como estava desanimada de jogar, seja por alguns comentários ou comportamentos em lojas e nós apoiamos ela, para que continue no hobby. Do mesmo jeito, se alguma garota se interessa em se tornar juíza, nós apresentamos elas à outras garotas que possam ajudar, se ela quer jogar mais sério, ajudamos com o conteúdo para ela melhorar. E esse suporte, de uma comunidade onde pessoas iguais se ajudam, é muito importante. E nós temos lutado cada dia mais para aumentar o número de juízas, aumentar o número de garotas profissionais, aumentar o número de jogadoras for fun e que possamos, cada vez mais, dizer para as garotas que determinado ambiente é um ambiente saudável e que elas podem vir jogar.

 

 

Nós trabalhamos para expandir o conceito de que todas as pessoas que jogam são iguais, independente da sua etnia,faixa etária, gênero, ou a sua ausência de gênero, e que todas as pessoas podem ser muito boas no que elas fazem. E nós batalhamos cada vez mais para que o preconceito, que é arraigado na nossa sociedade em tantos aspectos, caia por terra. Além disso, podermos divulgar o Magic por todo o Brasil e mostrar que sim, existem garotas que jogam, e jogam muito bem.

 

LigaMagic: Você citou juízas, garotas que jogam em nível profissional, que jogam no for fun, em resumo, que estejam no jogo. E até existe um projeto, o Play It Forward, que incentiva garotas a fazerem resultados profissionais. O quanto importa a representatividade? 

 

Amana: Eu não consigo colocar isso em números, porque se eu quantificar, ainda sim, não vai chegar perto do quão importante é.  Representatividade é uma coisa que muitas pessoas chamam de "mimimi". Eu sempre me pergunto se a pessoa pega um momento para pensar sobre, se ele pensa se está inserida (ou inserido) nesse contexto para dizer que isso não vale.

 

Uma mulher que está desestimulada porque foi assediada em uma loja, quando ela vê que existem pessoas que estão lutando contra isso, ela vai ter um estímulo para continuar. Ou quando uma menina que sonha em jogar no profissional  vê que existem mulheres que fazem resultados, como a Lu Couto que recentemente fez top8 em um pptq, isso pra gente é enorme. Isso tem um reflexo tanto em quem já jogava, quanto em quem está começando, Ela vai pensar que se essa pessoa pode, eu também posso. 

 

LigaMagic: A representatividade é uma das grandes conquistas da LGM?

 

Amana: Sim, e não só isso, as meninas terem acesso à quem pode ser referência pra elas também é importante. É muito legal a gente conhecer a Melissa De Tora (ex-jogadora profissional e membro do Play Design da Wizards), que é fantástica, a Carol Moraes (Community Manager na Wizards), que quando começou a trabalhar com a Wizards foi sensacional. Você estar inserida em um grupo onde pessoas como você estão ali palpáveis, pessoas com quem você pode falar e ela te responde, isso não tem tamanho. Essa acessibilidade é fundamental para que as pessoas se sintam acolhidas.

 

LigaMagic: Em pesquisa feita na LGM, foi perguntado que situações/comentários machistas vocês já vivenciaram por causa do Magic? E, ao contrário de um senso comum, os mais votados não foram situações de assédio explícito e agressivo, mas situações onde a garota é tratada de forma diferente por ser mulher, casos de "se uma garota vier à minha loja, vou trata-la como uma rainha". Quão ruim são as situações mais agressivas e as situações onde a garota é colocada em um pedestal?

 

 

Amana: Começando pelo mais óbvio, quando estamos jogando e uma pessoa menospreza nossas habilidades simplesmente por a gente ser mulher, ela não está levando em conta que pessoas podem fazer coisas e ter habilidades independente de qualquer condição. Já sentaram ao meu lado em uma mesa de commander e fizeram uma série de críticas sem nem me ver jogando. A pessoa te menospreza não pela sua lista, não pelas suas habilidades, ela te menospreza por nada. E isso é muito perigoso, porque pessoas que fazem isso, seja na internet, com aquele comentário no facebook de "foi seu namorado que te ensinou?", ela nunca te viu na vida e já está tentando tirar todo o seu mérito de algo que é legal. 

 

Fiz alguns questionamentos com relação a isso em um documentário feito aqui em Belo Horizonte sobre garotas que jogam, essa pessoa que tem esse tipo de comportamento em uma mesa de jogo, qual a implicação dela na sociedade como um todo? Como ela vai afetar as pessoas ao redor dela? Então uma pessoa que faz só com mulher, o que ela faz com pessoas que ela considera iguais à ela? O que vai impedir ela de ter outros comportamentos agressivos dentro da sociedade? Então a nossa preocupação não é apenas com o comportamento na mesa de jogo, porque na mesa você levanta e vai embora, mas e fora da mesa? Dentro de um hobby isso é péssimo porque você se sente menosprezada e a nossa sociedade já faz tanto isso, que não precisamos passar por essa situações também em um local que era para a gente se divertir. Mas o medo é que fora da mesa, essa mesma pessoa também possa vir te agredir, porque nada a impede. 

 

Falando agora sobre as questões menos óbvias, que é o caso da atenção exacerbada. Isso tem muita relação com a questão do assédio, nós temos vários tipos de assédio e nem sempre é possível visualizar tudo isso. O assédio acontece em várias instâncias de várias formas diferentes. Uma negociação onde a pessoa começa a fazer elogios é um exemplo. Por mais que pareça que é apenas um elogio, é uma questão que o homem não consegue se colocar no lugar da mulher. Ele não entende que, ao deixar de lado a questão em foco para fazer comentários sobre sua beleza, etc, ele reforça uma ideia que existe na sociedade de que a mulher está ali pra agradar aos olhos, de que ela está aberta e disponível para aceitar sempre esse tipo de comentário e que se ela não receber isso bem, tem algo de errado COM ELA. E não é apenas o público feminino que sofre com preconceitos, o público LGBTQ também sofre muito dentro de estabelecimentos.. Existem diversos relatos de situações preconceituosas que essas pessoas passam dentro dos espaços de Magic.

 

LigaMagic: Com todos esses problemas citados, porque ainda ir em uma loja?

 

Amana: Porque os espaços estão lá para serem tomados por quem é de direito. Não é porque uma pessoa é preconceituosa que ela vai tirar o meu direito de frequentar esse espaço. Eu conversei com as meninas aqui e nosso projeto é tomar as lojas de assalto de pouco em pouco. Vamos juntar 6 e ir jogar, juntar 7 e ir jogar, juntar 20 e ir jogar. Eu não quero saber se vocês tem preconceito, porque uma mulher, sozinha, no meio de vários homens, pode ficar inibida, ela pode não ter a quem recorrer. Mas e se forem 7? 8? 20? Eu quero ver alguém mexer com a gente. E mais, qual o suporte que a loja vai dar nessa situação? Porque se eles não conseguem te dar suporte quando você está casualmente jogando o jogo que você gosta, imagina em situações de torneios competitivos. 

 

 

 

A LGM fará um encontro em Belo Horizonte dia 10 de Março, sábado, a I Jogatina das Minas - Celebrando o Mês da Mulher. O evento contará com Boardgames - Escola de Magic - Comes e Bebes Especiais - Mesas Redondas.

 

 

 

 

Rudá Andrade dos Reis ( Ruda)
Rudá joga Magic desde 2003, sendo que em 2012 começou a produzir conteúdo sobre o jogo, fazendo artigos, streaming e narração. Como jogador tem diversos resultados, destacando top8 no Magic Fest São Paulo em 2019 e participações no Regional Player Tour Europe e Kaladesh Championship.
Redes Sociais: Facebook, Twitter
Comentários
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(Quote)
- 12/03/2018 18:13:27
Cara, você pode perfeitamente ter passado por coisas assim por ser novato, mas você consegue entender que tem mulher que joga a 8 anos e que passa por esse tipo de constrangimento pelo simples fato de que o animal do outro lado da mesa não devia ter saído da caverna lá no paleolítico? Que tem homem que joga pior que elas e não recebe o mesmo tipo de tratamento de seus congêneres? Eu sei que é complicado a gente aplicar a empatia pra coisas que a gente não vivencia, por isso falei e repito que a gente precisa escutar mais. Você tá falando de pesquisa em ambiente fechado; se eu fizer uma pesquisa sobre quais impactos o entrevistado sofreu diretamente devido à atividade minerária no centro de São Paulo eu vou ter um conjunto X de respostas. Por menor que seja proporcionalmente, se eu fizer isso com a população de Mariana (MG), vou ter um conjunto Y de respostas que vai ser provavelmente mais representativo, concorda? Né só questão de opinião, é questão de ter passado ou não por certa situação. E outra coisa, pra poder expandir uma idéia, pesquisa, etc. você de ordinário começa com grupos controlados e depois amplia a abrangência.


(Quote)
- 12/03/2018 17:19:59
"já recebi muita atenção por ser mulher"
"não me deram atenção por ser mulher"

Pra mim esse questionario ai não faz nenhum sentido.
(Quote)
- 12/03/2018 15:52:07
Evidências anedóticas não provam nada, pesquisas feitas num grupo fechado, unido pela mesma opinião é que provam. É tipo aqueles "debates" em que todos tem a mesma opinião (e quem discordar é fascista).

A pesquisa tem que ser aberta a toda a comunidade porque pesquisa fechada em determinado grupinho formado por opiniões afins é viciada por natureza. Além de você poder pegar essa pesquisa e substituir quase todos os "por ser mulher" por "por ser novato".

Eu já passei pela maioria das situações que vocês colocam por ser novato, mas ai já é "evidência anedótica".

Ah e eu reparei que só tem representação LGBT no site liga das garotas mágicas.
Onde estão os representantes do resto da sigla LGBTQQICAPF2K+ ? Hein seus preconceituosos? Viu como é fácil criar caso em algo que não existe nessa proporção?
(Quote)
- 12/03/2018 15:48:16
Vocês poderiam ao menos usar o "quote" direito.
(Quote)
- 12/03/2018 15:14:17
O flame/rage nos comentários estão iguais aos encontrados nos comentários do tópico do MTG LGBT criado a um tempo atrás aqui na liga.

Triste, em pleno 2018 as diferenças ainda imperam... =/
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