Saudações, Planeswalkers!
Mês passado, iniciamos uma análise da color pie como sistema, baseado num esquema criado por Mark Rosewater. Hoje, continuaremos nossa jornada!
Crosta: Filosofia das Cores
A área compreendida dentro do perímetro do círculo maior, e limitada pelo manto, representa as filosofias das cores. Todos os valores, crenças e atitudes estão aqui contidos, na(s) cor(es) que os adotaram. Branco, Azul, Preto, Vermelho e Verde nos instruem como viver, pensar, se relacionar, etc.
A posição da crosta neste esquema é fixa, pois a filosofia de cada cor é a mesma desde que o Magic foi criado. O conhecimento dos caminhos das cores é aprofundado a cada reflexão que é feita a respeito, e este processo nunca acabará: nosso saber ficará maior, mas nunca atingirá o limite – pois não há limite.
Podemos dizer que os mais entendidos filósofos no caminho das cores são os membros do R&D da Wizards. Através da contínua pesquisa e aplicação nas novas coleções, eles tornaram-se os maiores conhecedores deste tópico. O interessante é que o jogo nos legou uma ferramenta de análise extremamente eficiente, que nada deve a outros códigos de autoconhecimento (filosofia, religião, astrologia, etc). E sendo um tema interpretativo/especulativo, nada impede que nos utilizemos dele para compreender o que quisermos.
Para dar uma idéia melhor, passaremos brevemente pela filosofia de cada cor. Deixarei uma análise mais detalhada da aplicação destas filosofias para outro momento, para que esse texto não fique muito extenso – não faltará ocasião para que façamos esta abordagem. Aos que quiserem se aprofundar, sugiro que leiam os artigos compilados no tópico “color” da Wikipédia da Salvation.
Branco
A filosofia do Branco tem como finalidade alcançar a paz. É inadmissível que pessoas padeçam desnecessariamente: se dispomos de recursos para que todos sobrevivam, então devemos garantir que ninguém morra por negligência. Para isso, cada indivíduo deve priorizar o bem do grupo – mesmo que tenha que agir contra suas próprias vontades, eventualmente. Aqueles que não colaborarem voluntariamente devem ser forçados a isso, ou punidos.
Para direcionar as pessoas a agir conforme sua filosofia, o Branco cria estruturas para controlar pensamentos e comportamentos. As prinicipais ferramentas das quais ele se utiliza são as leis civis e morais: as primeiras para coibir ações indesejáveis, que serão retaliadas legalmente, em nome da sociedade; as segundas, para difundir a noção de certo e errado e orientar o indivíduo a se comportar visando o bem do grupo. Os ideais de justiça e equilíbrio estão ligados ao Branco.
A grande força do Branco reside em sua organização. Utilizando as estruturas como instrumento de controle, a tendência é que ele sempre possua uma forma eficiente de responder a qualquer problema. Entretanto, ele pode se ver em apuros caso depare-se com algo imprevisto, pois suas bases são fixas e pouco adaptáveis.
Azul
O Azul baseia sua filosofia na busca pela perfeição. Nascemos com o potencial para nos tornar o que quisermos; uma vez que saibamos o que queremos nos tornar, poderemos nos aprimorar continuamente. Para tanto, é importante garantir que todos possam ter acesso à educação, fazer experiências de maneira controlada e utilizar as melhores ferramentas disponíveis para melhorar suas capacidades. Esta cor valoriza a reflexão em detrimento da ação, pois ninguém pode se dar ao luxo de errar por não tomar a decisão correta cuidadosamente. A visão de perfeição desta cor não se limita ao indivíduo: o próprio mundo também deve ser alvo de ações que façam dele um lugar melhor.
O foco para atingir a perfeição, segundo a filosofia Azul, é o aprendizado. Toda e qualquer informação é importante, pois quanto maior o saber, maior a capacidade de tomar a melhor decisão. A informação pode ser usada de diversas maneiras: para controlar as outras pessoas, transitar em diferentes meios, proteger-se contra ameaças e também como arma. Para isso, é fundamental a existência de locais de transmissão e troca de conhecimento, como escolas, universidades, bibliotecas e laboratórios. Sendo uma cor extremamente racional, o Azul costuma ser um tanto quanto frio, desvalorizando o potencial das emoções.
A habilidade de adquirir e utilizar o conhecimento é a maior força do Azul. Todas as suas decisões são racionalmente baseadas nisso, otimizando tremendamente suas ações. Entretanto, a capacidade de processamento de informação é um empecilho que leva à passividade, pois o Azul é incapaz de agir sem pensar.
Preto
Poder. É o que a filosofia do Preto estabelece como sua meta principal. A diferença desta cor para as outras é a atitude em relação ao mundo: para a cor Preta, o mundo é o que é, e o que nos resta é agir de acordo com isso. E segundo este caminho, devemos ter o poder para conquistar o que queremos e manter o que conquistamos. Para isso, tudo é permitido: nenhuma restrição deve ficar entre nós e nosso objetivo. O mundo é um lugar difícil e coisas ruins acontecem: a culpa não é do Preto. Para ele, se cada um agisse de acordo com seu próprio interesse, teríamos um sistema igualitário, onde cada indivíduo cuidaria de si. Claro que nem todos conseguiriam o que querem – mas, afinal, a vida é assim: cuide para que você consiga, e que as coisas ruins não aconteçam contigo.
Como conseguir poder? Este caminho propõe que aproveitemos cada oportunidade que tivermos para isso. Nenhuma ideologia, crença ou moral deve obstruir seu caminho: faça o necessário para obter o que você quer, não importa o custo nem a opinião das outras pessoas. E se o chamarem de egoísta, traiçoeiro, imoral, mentiroso ou qualquer outra coisa, não tem problema: se você obteve o que queria, nada mais importa. E vale dizer que o preto não é imoral, mas sim amoral, pois nega o conceito de moralidade.
Essa ausência de restrição é, certamente, a maior força do Preto: nada está fora do seu alcance a priori, pois ele utilizará todos os recursos que tiver à disposição, não importa o custo. O que torna isto, também, sua maior fraqueza: às vezes, o preço a se pagar é muito alto, voltando-se contra esta cor. Além disso, seu egoísmo tende a conquistar a antipatia alheia, fazer com o que o Preto tenha que lidar com mais problemas do que é capaz.
Vermelho
Para o Vermelho, nada tem mais valor do que a liberdade. Esta cor abraça as emoções, sendo espontânea, sincera, até caótica às vezes. Como viver? Escute o seu coração, aja conforme suas emoções, faça o que acha que deve. Relacione-se, ame, odeie, tema, venere, aprecie – e quando a hora da morte chegar, reconheça que você viveu e que não se arrepende de nada. Por esta razão a liberdade é tão importante – nada pode te impedir de fazer o que você quer.
No caminho do Vermelho, o primeiro passo é sentir e o segundo passo é agir. Nada cai do céu, você precisa ir atrás do que deseja – por isso, o Vermelho não hesita um segundo sequer. É a cor do agora, que não deixa nada para depois, nem que algo se interponha em seu caminho: utiliza qualquer meio que seja necessário para se livrar do obstáculo, e não desiste até que seu desejo seja satisfeito.
Nenhuma cor tem mais clareza de propósito do que o Vermelho, e esta é sua grande vantagem. Aliando isto à sua energia e disposição, esta cor é capaz de verdadeiras proezas. Ela sabe o que quer, sabe o que tem que fazer – e antes que eu tivesse iniciado esta frase, ela já estava fazendo. O preço que este caminho cobra é a dificuldade de pensar no depois, já que nada importa mais do que o agora; e também de ouvir as outras pessoas, pois a grande convicção de seus sentimentos torna o Vermelho bastante teimoso.
Verde
A meta final da filosofia Verde é o crescimento. A natureza é um grande e ordenado sistema, que não cessa de se renovar através da vida. Podemos ver este potencial despertado na grandeza dos animais, na beleza e fertilidade das plantas, na constante renovação dos ciclos naturais. Cada um de nós tem seu lugar neste todo.
O Verde nos convida a aceitar o que existe, contemplar a realidade e deixar que nossos instintos nos guiem. Nos genes que recebemos está escrito qual será o nosso papel neste grande sistema que é a natureza. Ao invés de procurar por maneiras de mudar o que somos, portanto, precisamos olhar para dentro de nós mesmos e descobrir qual é a vida para a qual fomos feitos.
A maior força desta cor é esta poderosa conexão com a natureza. Por mais que o ser humano crie coisas para usar, cidades para morar e coloque satélites em volta do planeta, vivenciar o que a natureza proporciona é uma experiência sem igual. Andar entre as árvores, interagir com animais, contemplar o crescimento de uma planta... Tudo isso chama a nossa natureza mais primitiva, que permanece conosco, mesmo que sequer consigamos viver essas coisas. Porém, a natureza raramente permanece intocada; por isso, a falta de conexão do Verde com criações e ambientes artificiais é a maior fraqueza que ele possui.
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Antes de seguir, farei uma breve recapitulação da color pie como sistema: as filosofias das cores são imutáveis, e é nela que se baseiam as mecânicas – que devem ser coerentes com as filosofias, representando o que as cores podem ou não fazer. Como Magic é um jogo em constante evolução, as mecânicas mudam com o passar do tempo; para continuar esse processo, os designers da Wizards devem recorrer ao color bleed, porém sem se afastar muito da implementação atual das mecânicas. As novidades, usualmente, não se afastam muito do que já existe, para não ultrapassar o limite emocional dos jogadores. Isto acontece para que as mudanças façam sentido, mantendo-se coerentes com as mecânicas e, consequentemente, com as filosofias das cores. Quanto mais o color bleed se distanciar da base mecânica existente, maior a chance dele ser controverso, por permitir a uma cor acessar recursos que ela normalmente não poderia utilizar.
Caos Planar: a exceção que comprova a regra
Assim tem funcionado o sistema, desde Alpha. O universo de possibilidades do Magic expandiu-se consideravelmente desde então, ao mesmo tempo que estabeleceu um padrão. Por mais que novas coleções sejam lançadas, sabemos que não devemos esperar cards azuis com vigilância, cards vermelhos que voltam criaturas do oponente para a mão de seus donos, ou cards pretos que mudam o alvo de mágicas. Porém, uma vez, isto aconteceu.
Caos Planar, segunda coleção do bloco Espiral Temporal, tem como temática o presente, dentro de uma estrutura passado/presente/futuro. Para poder demonstrar isto, o design foi centrado na idéia de realidade alterada, cruzando dimensões temporais diferentes. Isto levou à criação de cards colorshifted (iguais a cards já lançados anteriormente, mas com outra cor) e um reagrupamento das mecânicas dentro das cores:
Segundo Mark Rosewater, Caos Planar é a única coleção de Magic cujo design explorou o espaço da crosta. A intenção da equipe, ao fazer isso, era demonstrar que o jogo poderia ser completamente diferente em termos de mecânicas, desde que se mantivesse coerente com as filosofias das cores. Os cards colorshifted trazem à tona opções que poderiam ter sido feitas no passado, alterando completamente nossa percepção sobre quais mecânicas deveriam estar em quais cores. Se o Anjo de Serra fosse a Esfinge de Serra, Vigilância seria Azul, não Branca; se Esfera de Raios fosse Perfuratriz, Ímpeto seria Verde, não Vermelho... E por aí vai. Colocando-se fora da implementação mecânica corrente, Caos Planar comprova o funcionamento deste sistema, ao utilizá-lo para fazer as coisas de forma diferente.
Para quem quiser saber mais sobre as trocas de mecânicas entre as cores em Caos Planar, há um artigo do Mark Rosewater chamado “The Great Mix-Up”, parte 1 e parte 2.
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E assim concluímos nossa explanação sobre o sistema da color pie – espero poder ter contribuído para aumentar sua compreensão sobre ele. Aguardo vocês nos comentários.
Até a próxima viagem!
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Obrigado pelo elogio! A fraqueza do Verde foi a mais difícil de "traduzir", de alguma forma - e, de fato, a referência de força e fraqueza utilizada foi a filosofia da cor, e não as mecânicas do jogo. Um bom exemplo dessa dificuldade do Verde é a Nissa em Kaladesh: neste plano, as formas de interação entre as criaturas inteligentes não se parecem em nada com o tipo de ligação que ela conhece. De modo que ela fica extremamente deslocada - até porque lidar com tecnologia não é uma das habilidades que ela possui. O Verde é conservador e acredita na natureza como sistema perfeito: ter que agir fora deste lugar e desta ideia não é fácil para ele.
Eu vejo principalmente dois: a falta de como lidar com ameaças muito grandes e remoções globais. Já joguei muito de Stompy e tinha um commander do Ezuri, voltar de uma cólera sempre foi a maior dificuldade que eu sentia de jogar só no verde.