Color Pie como Sistema
Parte 1.
Por
31/01/2017 14:00 - 5.817 visualizações - 14 comentários

 

Saudações, Planeswalkers!

 

Primeiramente, gostaria de agradecer a todos pela discussão que se gerou a partir da última coluna, sobre a sexta cor! Os temas abordados aqui são bastante especulativos, então, quanto mais idéias forem colocadas, maior o conhecimento que todos poderão usufruir.
 

Originalmente, o texto de hoje falaria sobre color bleed, um conceito controverso e fundamental para o design de Magic. Entretanto, ao pesquisar, me deparei com uma possibilidade ainda mais instigante: abordar a color pie como um sistema integrado. Sendo assim, as próximas duas colunas serão dedicadas a isso.
 

De início, vamos retomar uma distante e esquecida aula de geografia:

 

 

O quê???
Ok, já foi o suficiente...


Como é sabido, a maior parte do conteúdo disponível sobre color pie foi produzido por Mark Rosewater, design-chefe da Wizards. A melhor abordagem dele para que possamos compreender a color pie como um sistema integrado é, de certa forma, baseada na imagem acima:

 

 

Este esquema foi utilizado primeiramente no texto “Chaos Theory”, de 2007; entretanto, foi revisado e aprofundado em 2011, na coluna “The Bleed History” – pois Rosewater julgou que sua primeira explanação sobre o tema foi insatisfatória. Nesta representação da color pie, temos a atual forma das cores no jogo (current mechanical implementation) determinando os limites do núcleo; na fronteira do manto, estão os limites emocionais (emotional boundary); por fim, as filosofias das cores (color philosophies) fecham o círculo, selando o espaço da crosta. No texto de hoje, vamos abordar os dois primeiros.

 

Núcleo: Mecânicas

 

Em seu texto, Rosewater diz que a maioria dos jogadores, quando falam sobre a color pie, estão pensando no círculo menor. Não chega a ser uma surpresa, pois este espaço contém a parte visível da color pie – as mecânicas que cada cor utiliza, dentro do jogo. 

 

Normalmente, é dentro deste conjunto que acontecem as discussões sobre o que as cores são e o que fazem. Porém, isto é definido na fronteira final do esquema, onde estão as filosofias das cores. As mecânicas são reflexo e representação destas filosofias. Este é um dos motivos pelos quais elas estão em constante mudança – o que gera as intermináveis controvérsias sobre o que cada cor pode fazer.
A melhor demonstração dos movimentos existentes no núcleo deste esquema é a análise das mecânicas e ações evergreen (não encontrei uma tradução exata para o termo), que são utilizadas em todas as coleções. Em Limited Edition, primeira coleção básica lançada, eram as seguintes:


Mecânicas: Banding, First Strike, Flying, Landwalk, Protection, Trample.


Ações: Ante, Cast, Counter, Destroy, Discard, Play, Regenerate, Search, Shuffle, Tap/Untap.
 

Comparemos esta lista com a de Magic Origins, última coleção básica (marcarei em negrito os itens que aparecem nas duas listas):
 

Mecânicas: Deathtouch, Defender, Double Strike, Enchant, Equip, First Strike, Flash, Flying, Haste, Hexproof, Indestructible, Lifelink, Menace, Prowess, Reach, Trample, Vigilance.
 

Ações: Activate, Attach, Cast, Counter, Destroy, Discard, Exchange, Exile, Fight, Play, Regenerate, Reveal, Sacrifice, Scry, Search, Shuffle, Tap/Untap.
 

Há um grande número de mudanças, que se devem não só à criação de novas mecânicas. Vamos olhar caso a caso:


Refinamento Conceitual
 

Muitas das mecânicas utilizadas atualmente foram criadas antes da palavra que as define. Isso também vale para as ações – o sinal de virar não existia quando o jogo começou, por exemplo. Abaixo, cards antigos nos quais a habilidade ainda não tinha seu nome, e uma versão já atualizada:

 

 

Também há uma hierarquia de classificação das cores, dentro de cada mecânica – representando se ela é a mais forte naquela habilidade, a segunda, a terceira, etc. Para quem quiser conferir um pouco sobre isso, há uma boa classificação na wiki da mtgsalvation.

 

Efeitos “sem nome”

 

Há alguns cards que se repetem, em quase todas as coleções ou, ao menos, em quase todos os blocos. Normalmente, cada versão é um pouco diferente, na maior parte das vezes se relacionando com os temas e mecânicas da coleção. Logicamente, isso não acontece por acaso: embora não sejam mecânicas ou ações há um espaço já reservado para eles. Vejamos alguns exemplos do atual standard:
 

Branco: Mágica Instantânea que dá +2/+2 para a criatura alvo de custo W

 


  
Azul: mágica não-permanente que vira criatura e a impede de desvirar

 


    
Preto: mágica não-permanente “compre X cards e perca X pontos de vida”

 


    

Vermelho: criaturas que atacam todo turno
 

    

Verde: Mágica não-permanente contra criaturas com voar

 


    

Color bleed
 

Enfim, chegamos nele.
 

Mas afinal, o que é isso?
 

Color bleed é uma ferramenta de design do Magic, utilizada para expandir o universo do jogo. Bleed significa sangrar – podemos dizer que os designers estão “cortando” o núcleo de nosso esquema, fazendo uma incursão no nível do manto. Este corte metafórico serve para expandir o que cada cor pode fazer no jogo. Um bom exemplo são as cartas vermelhas que podem exilar cards do topo do grimório, dando um prazo para conjurá-las (normalmente, até o final do turno). Mecanicamente, serve para gerar card advantage, área na qual o vermelho é fraco; em termos de representação, mostra bem como poderia ser um card advantage vermelho – faça, agora!


Curiosamente, este tipo de efeito não surgiu no vermelho. O primeiro card a ter uma habilidade semelhante foi lançado em 1995, na coleção Visões:

 

 

Embora o funcionamento seja um pouco diferente (os cards são exilados com a face voltada para baixo), todos os elementos básicos são mantidos nas duas cartas. Se pensarmos no azul, que é a cor que mais tem recursos para comprar cards, este é um efeito pouco consistente. Fato é que levou quase vinte anos para essa idéia chegar ao vermelho:

 

 

Desde o lançamento de Agir por Impulso, foram lançadas dez coleções, com seis cartas vermelhas contendo este efeito. Antes deste card, poderíamos dizer que isso não fazia parte das possibilidades do vermelho; hoje, ele se tornou um dos efeitos recorrentes desta cor. Isso já aconteceu diversas vezes na história do jogo, e continuará acontecendo: entre acertos e erros, é desta maneira que o Magic evolui, é o que impede que o jogo fique estagnado. Se não houvesse color bleed, poderiam mudar os nomes das cartas, os desenhos e os textos de flavor, mas o jogo ficaria com efeitos muito limitados e com pouca variação, e todos os cenários representados seriam muito parecidos (ao menos em termos de jogo).


Este é um exemplo bem-sucedido de color bleed – pode-se dizer que o corte cicatrizou, absorvendo esse efeito para dentro da atual configuração das mecânicas do jogo. Embora seja um processo que tem o potencial de matar o jogo, caso possibilite a uma cor acessar recursos que ela não possui, vejo-o com muita naturalidade: afinal, Magic não é um jogo de baralho qualquer, mas um no qual podemos mexer no baralho, ver as cartas do adversário e, principalmente, em que um card pode ignorar as regras do jogo – o que, logicamente, significa que ele foi absorvido para dentro desse sistema de regras.

 

Manto: limite emocional

 

Na segunda área do esquema, Rosewater inclui o que ele chama de limite emocional (emotional boundary). O que isso significa?
O manto, ao separar as duas partes, determina as áreas de exploração mais próximas da fronteira do núcleo. Podemos pensar nesta área como uma graduação entre duas cores, que vai passando sutilmente de uma para outra. Esta compreensão é de fundamental importância para a equipe de design da Wizards, pois os jogadores sempre aceitarão melhor novos cards que estejam numa área do manto mais próxima da fronteira do núcleo, que contém a atual implementação das mecânicas.


O manto é a principal área onde ocorre o color bleed. É onde os designers vão buscar as novas interpretações das regras para as filosofias das cores, trazendo para nós as novidades de suas descobertas. Há classificações para o color bleed, entretanto: ele pode a ser um color bend (torção), que é quando o card fica fora da color pie, porém sem permitir que a cor tenha um recurso que elimine uma de suas fraquezas. O exemplo dado por Mark Rosewater para este caso é Forma de Dragão, lançada na coleção Flagelo:

 

 

Embora impedir criaturas com voar de atacar não seja um efeito vermelho, uma vez que apareceu primeiramente na carta Moat, a construção do card Forma de Dragão mostra um mago que se transforma num dragão. Sendo assim, foi permitido o uso de uma habilidade de fora da cor, para que se pudesse transmitir uma sensação que faz muito sentido, pensando na cor vermelha.
No caso do novo card auxiliar sua cor a controlar uma fraqueza essencial, este color bleed é classificado como color break, visto que ele quebra as regras da color pie vigente. Vale citar a piada feita por Rosewater quando questionado, em seu blog, quais cinco cards ele nunca lançaria novamente, fora os da lista reservada. A resposta foi: todos os que possuem “Hornet” no nome. Abaixo, a razão:
 

   

O primeiro card altera o fato do verde não ter formas diretas de remover criaturas, dando a possibilidade de causar dano direto a criaturas e jogadores (habilidade primária do vermelho). Já as outras duas compartilham outro motivo: como possui as criaturas mais fortes do jogo, em termos de poder e resistência, o verde não possui cards com a habilidade de Voar (até por isso foi criada a habilidade Alcance, que permite que o verde ao menos possa se defender das criaturas voadoras). Para piorar, ele passou a poder gerar criaturas com Voar e Toque Mortífero – a maioria deve se lembrar como isso foi amplamente utilizado no Standard da época, com a Vespa Rainha travando o combate e deixando o caminho livre para outras criaturas baterem. Esse tipo de quebra do color pie, invariavelmente, causa desequilíbrios no jogo.
--
Por hoje é isso. Na próxima coluna, vamos concluir a passagem por este esquema, analisando a filosofia das cores e sua aplicação. Também passaremos novamente por Caos Planar – segundo Mark Rosewater, a única coleção da história do Magic a mexer no espaço da crosta.


Aguardo as opiniões de vocês nos comentários! E vocês vão ver, ainda faço um texto sem citar o Rosewater...hehehe


Até a próxima viagem!

( Nihil)
Comentários
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- 06/02/2017 17:58:09





Obrigado pelos elogios!

(Quote)
- 06/02/2017 17:43:49

Não vejo isso como problema, exatamente. Acho que usar a terminologia "amigas" e "inimigas" dá um entendimento fácil de que há uma afinidade maior entre algumas cores; porém, não nega a possibilidade de uma cor estar junto de outra com quem não tem muito em comum. Acho interessante ver isso nas pessoas - combinações de cores "inimigas" são mais difíceis de harmonizar, pois há duas motivações fortes e que puxam para direções opostas.

(Quote)
- 06/02/2017 17:37:54

Não há discordância entre nossos pontos de vista: quando usei "hierarquia" e "classificação", foi falando de como cada cor apresenta mais ou menos esta ou aquela habilidade. Mas eu não quis dizer que alguma cor é melhor ou pior - somente que sua representação mecânica dentro do jogo é diferente. O que cada cor pode fazer é definido a partir de sua filosofia - é o que veremos no próximo texto!

(Quote)
- 03/02/2017 02:47:50
CACETE! Que artigo legal! Parabéns, man! ;)
(Quote)
- 02/02/2017 21:51:36
Mexer na estrutura da colorpie realmente é perigoso. Uma coisa que não foi abordada nesse texto, e que acho complexa, é a questão do alinhamento das cores, quais são amigas ou inimigas, eles simplesmente ignoraram esse conceito depois da primeira Ravnica, e atualmente, não há mais problema algum para a mistura de cores opostas, o que a meu ver, como jogador antigo, é algo útil para o jogo, mas pernicioso para o conceito.
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